Fotografia de um cotidiano vagabundo

Que novela, bem em frente
Um pombo e uma pomba
Pelo tamanho, ela era a toda branca, ele um panda com asas
Nunca vi tamanha indiferença de uma pomba
Impondo um desejo de paz, e ele apenas um desesperado
Ela o deixou sem migalhas e seguiu seu caminho balançando o pescoço
Sem voar, pedindo carona pro céu
Ele era um belo pombo, muitas manchas negras, grande
E não estava ali para comer
Sucumbiu ao desprezo e começou a bicar o asfalto quente
Num ato de penitência
Pensei em oferecer um cigarro, algumas palavras de conforto
Ou até mesmo deixá-lo cagar na minha cabeça
Eu queria me comunicar com ele
Falar pra tentar aquela pardoca que tomava um banho de poeira do outro lado da rua
Em sinais discretos com os dedos eu dizia:
“Não se culpe amigo, no seu lugar muitos enlouquecem, e tudo isso é por nada. Está tudo bem”
Pensei que ele alçaria vôo antes de eu entrar no mercado
Por isso fiquei ali para me despedir, mas ele permanecia ali
Andando em círculos, embaixo de um sol escaldante e em cima de um asfalto cozido
Pensei comigo: “Era o que faltava, mais um pombo pirado por perto”
Se ele permitisse cagaria nele, só para lembrá-lo que sua diversão ainda não tinha terminado
Que agonia não poder olhar para seus dois olhos ao mesmo tempo
Me aproximei o máximo que pude, e antes de alcançar o céu meio desajeitado, ele soltou um som de pombo, mais pra dentro que pra fora
Como se estivesse me dizendo: “Você escreve pois não sabe voar”

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