Passado envelhecido ( XIII )

Prédios altos do outro lado da rua estavam lacrados
Tinha ar-condicionado em todos apartamentos
Seus vidros mandavam reflexos capazes de cegar um homem na lua
Onde quer que ela estivesse
Segui em frente e comecei feder, ou talvez já estivesse fedendo
Mas comecei sentir ali, um cheiro de camiseta inundada
Consegui uma sombra ao lado de uma parede e parei em pé
Larguei a mochila no chão e acendi um cigarro
O clima era diferente, estava sozinho na rua
Por uma ou duas quadras nada de gente, nada de carros, nada de nada
Simplesmente Ramon, sua mochila e seu cheiro
O que eu mais queria era morar ali, o silêncio sempre me deixa anestesiado
Queria tirar as roupas naquele momento e tocar uma bronha longa
Gozar de uma vida silenciosa, mas não fiz isso, não sóbrio
De repente ouvi alguém cantando, vinha da minha esquerda
Mas não dava pra ver ninguém, só ouvir, e eu ouvia, e a música era boa
E seu canto era melodramático e afinado
Ele devia ter criado a letra e a melodia, e decidiu que todos  mereciam ouvir
Mas ninguém ouvia, somente Ramon azedo estava ali
Ramon com sua bronha interrompida, Ramon sem mulher, Ramon sem desodorante
Ramon incapaz de compor uma letra de música e sair cantando pelas ruas, não sóbrio
A letra era assim:
“Eu vou embora agora querida, eu vou embora querida, e você vai lamentar, pois ninguém te chupa como eu, aaaaaa queridaaaaa, e ninguém te chuta como euuuu, aaaa queridaaaa”
A canção vinha chegando mais perto, mas o cantor não, e logo o silêncio voltou.
Dei uns passos pra frente pra ver se via alguém, mas nada.
Talvez ele fosse o dono ideal pra minha quitinete
Escorrei-me na parede novamente e aproveitei sua sombra por dez minutos
Até que um homem saiu do beco e pegou a esquerda, vindo pra minha direção
Caminhava sonolento, ele tostava sem camiseta, estava resignado com tudo
Quando se aproximou parei-o, devia ter uns quarenta anos:
– Boa tarde, amigo – falei.
– Boa tarde.
– Por acaso o senhor não sabe onde posso achar uma quitinete pra alugar por aqui?
Ele coçou a cabeça, seus cabelos e caspas se mexiam, olhou para um lado, olhou para o outro, coçou mais a cabeça.
– Qualquer coisa – prossegui.
– Estou tentando me lembrar. Se não me engano tem uma tal de Sula que aluga quitinete por aqui, mas não lembro onde fica.
Novamente ouvia: “Eu vou embora agora querida, eu vou embora querida…”
– Já fui lá. Ela não tem mais. Sabe de outra?
– Não sei não.
– Tá bom, obrigado.
Ele foi em frente, pro mesmo lado da canção, pro mesmo lado do homem que ia embora e chupava e chutava mulheres como poucos.
Na minha frente do outro lado do asfalto, seguia uma rua achatada
Que fazia uma curva a direita bem longe, e ninguém fazia a curva
E ninguém achatava mais a rua, e ninguém chupava e chutava mulheres praquele lado
Foi então que vi uma mulher saindo de um caminho despercebido quando virei a cabeça
Um daqueles caminhos que você realmente duvida que alguém mora por lá
Fui até ela correndo, a mochila numa mão, um cigarro na boca
E com a outra mão fazendo sinal pra ela parar. Ela já ia seguindo pro sentido oposto, quando olhou pra mim e esperou.
– Que susto me deu. Quase saí correndo – ela disse.
– Do jeito que estou te alcançaria. Tudo bem com você?
– To bem.
– Escuta, você mora por aqui?
– Sim.
Coitada, ainda pensava em sair correndo, mas eu realmente a alcançaria
Ela era minha agora, e todas suas informações também
Tinha um anel de casada na mão esquerda, aparentava seus trinta e poucos anos
Um cabelo pintado de vermelho opaco, com um corpo realmente gostoso
Peitos estufados, olhos da cor da grama, uma cintura que minhas mãos abraçariam por frente, por trás, girariam, lançariam pra cima, e a colocariam delicadamente sobre o maracanã, e depois cravariam e afundariam sua pele até sangrar e gozar.
– Sabe onde tem uma quitinete pra alugar por aqui? Perguntei
– Entra por aqui de onde eu vim, vire a direita e vai até o fim da rua
– Tudo bem, obrigado
Que bunda gostosa. Passos apressados, o que deixa uma bunda boa melhor ainda. Uma bunda de mulher apressada é o que um homem precisa ver todo dia

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