Romeu

O não-gostar é libido
É um caos controlável
É existir na existência, dever aos deuses
É a controvérsia do amor casual, que mal nos acostuma
Tem mais prestígio que um homem limpando a bunda na certidão de nascimento para mudar o nome
Torna-se raivoso, tão pouco contagioso e vingativo
Partiremos daqui logo, deixando sabonetes e talco nos sapatos
Partilhando mais chulé do que paixão
Combinando mais roupas que olhares
Morre-se de preto, desbota-se o corpo
Colam-se os olhos, a boca, as narinas e as pregas
O estilo fica pálido aos que olham para as flores que compraram
Nada tenho pra chorar, nem uma caixa d’agua
As pessoas boas racham lenha a vida toda e queimam
Seus pudores não são vaidosos e desrespeitosos
O não-gostar é instintivo e prematuro
E para que isso acabe, acendem-se algumas velas
Tornando as noites vagas e perfeitas

Romeu lê seu poema todas as noites antes de dormir, o único, pois não é poeta, odeia-os, principalmente Rimbaud. Gosta mesmo é de molhar bolachas doces dentro de leite quente misturado com conhaque, além de boas revistinhas de sacanagem pra acompanhar suas refeições noturnas. Trabalha como telemarketing durante os dias, de segunda a sexta, das 7:59 até 17:59, com intervalo de uma hora pra almoçar. Descobriu um restaurante há duas quadras de distância da empresa e frequenta sozinho, porque a comida é indigesta, mas o preço do buffet livre se sobressai perante os aspectos e receitas do lugar. Cada almoço é um dia a menos na terra, cada dia a menos na terra um consolo. A dicotomia do hipocondríaco. Romeu ainda guarda sonhos de infância, ter um Opala seis cilindros e amar uma mulher, nessa ordem. Quase amou uma mulher, quase roubou um Opala, nessa ordem.
Por ser um funcionário exemplar, acabou tornando-se íntimo de sua supervisora e isso agrada ambos. Sentam juntinhos das 7:50 até 7:59 e sussurram sobre qualquer coisa, ninguém sabe o que rola, sabem apenas que a supervisora Julieta tem um noivo, que por coincidência também chama-se Romeu. Mas nosso Romeu não está interessado, quer apenas uma figura de mulher para inserir nas revistinhas de sacanagem. Uma carinha safada com sussurros sacanas, Julieta é capaz disso e nada mais. O negócio de ser hipocondríaco começou aos dez anos, recorda perfeitamente o dia. Foi buscar sua bolinha de tênis sobre as hortas da mãe, onde pisoteou por todas alfaces possíveis. Sua genitora percebendo aquilo pela janela gritou com o ódio das pulgas famigeradas:
– Romeu! Da próxima vez que fizer isso terá câncer como seu avô!
Romeu desistiu das bolas de tênis. Passou a vida inteira pensando em câncer, e quando ouve que pensar em câncer atrai câncer, então pensa sem parar. Seu primeiro cancro foi na cabeça do pênis. Uma manchinha branca estava acabando com ele, quanta dor, urinar doía, usar cueca doía, coceiras insuportáveis e intermináveis. Deu-se por vencido. Trinta anos depois ainda continua investigando a tal mancha calcificada. O segundo tumor foi na bexiga, lá pelos onze anos. Foi até o banheiro tomar banho e urinou sangue pelo ralo. Não sentiu medo, apenas concordou com a cabeça várias vezes enquanto mijava. Milagrosamente foi curado a base de antibióticos e chás, porém mantem dúvidas quanto a isso, ainda carrega arrepios quando vai ao banheiro. O terceiro e pior câncer foi no ânus, aos treze. Muito sangue no papel higiênico. Foi a primeira vez que sentiu falta da merda. Mas Romeu é apenas mais um hipocondríaco suicida. Digamos que seja o David de Caravaggio segurando a própria cabeça ou os corvos de Van Gogh sem direção. Um palhaço com depressão, que gira do avesso e encontra o contrário.
Todos os dias Romeu busca um cenário dentro de suas criações imaginárias e muitas vezes sombrias. Ao suicidar as virtudes, consegue abrir a janela que separa o original do paralelo, e só dessa maneira vê a essência das almas mortas. Romeu nasceu dia 30 de fevereiro, quiçá arrepende-se disso.O exagero de tentar ser ímpar torna as coisas uma partida de xadrez complicada. Romeu sabe o que é, o tabuleiro estático vendo vidas capturadas, Rainhas e Reis ficando para trás e jogadores se divertindo com isso. Igualmente uma cruz no anzol sente-se uma isca da ingenuidade e só encontra tranquilidade embaixo dos pés quando deita. Vamos falar um pouquinho com ele:
– Boa noite, Romeu.
– Tamanha fúria resumida a dois longos dentes afiados. Reze para ser dentista ou um creme dental, pelo contrário, suas pernas não descansarão. É sempre um dia de fúria, as emoções saem do compasso e o menor detalhe causa estrago. Hoje sou apenas falsidade, a mesma que comprei, exijo verdade até das suas borboletas de estimação. Porcos!
– Relaxa aí. Estou lhe apresentando.
– Todos os dias analiso minhas atitudes como as revistinhas de sacanagem, mas ao contrário da minha cara relaxada e meus braços dormentes depois que folheio a revista, com minhas atitudes sou rude e me proíbo gozar. Os resultados são sempre os mesmos, apenas mudam as equações. Explorei os limites da minha essência e ativei meu poder de autodestruição, é complicado quando o pior se torna aceitável. Particularmente falando, prefiro ser um acomodado querendo ficar longe das burocracias do ser, do que um inconformado e precisar provar todo dia a sensação de estar perdido, esses só exercitam e sustentam aquilo que mais existe neles: Fé. Quantas vezes já presenciei a falta de fé involuntária, sempre por motivos superficiais. O que acho de vocês é o seguinte, são pessoas que saúdam quem mais mutilam suas vidas para depois ficarem remoendo a própria carcaça. Sentem-se exaustos, mas tudo bem, não quero ferir seus egos, seus orgulhos infiéis que os separam da realidade. São levados pela fantasia, carregados de insegurança e traídos pela bondade. São honestos demais para viverem suas vidas. Podem me achar um palhaço sem graça. Porcos! São ratos e reis encenando uma peça, sem ensaios, cheia de erros, propósitos, boas e más intenções. O POVO É COMO UMA PROSTITUTA QUE NOS DIAS DE FOLGA OCUPA-SE FODENDO DE GRAÇA!
– Já fui como você Romeu. Esse leite com conhaque está te estragando. Tire o leite.
– Chega de urinar sangue, chegou a hora de cuspir veneno e pisar em Golias e Gorilas. Aprendendo a chorar eu aprendi a sorrir, e hoje muito mais que isso, lutei com o tempo e fui esmagado ao ponto de não sentir mais o gosto salgado das lágrimas. Depois de cumprir meu dever, irei passear nas lembranças que me ajudam a recuperar os sentimentos de culpa, de ódio e de amor. Estou cansado de fugir das poucas coisas que me alegram. Ando rindo das mesmas piadas que um dia ainda quero ouvir, afastando a imortalidade em minha direção. Procuro não ser rigoroso, mas chega uma hora em que falar sozinho perde a graça. A evolução é uma arte que desconheço. Quando estou parado estou a mil por hora, sou quase um beija-flor jovem e rápido, mas com a carcaça de um urubu podre. Uma loucura interminável, um sentimento que foi guardado no silêncio das minhas decisões. Final de semana passado superei-me, dormi uma vida em 5 horas. Foi como uma roleta russa de palavras, onde a verdade mata, e a mentira preserva uma vida fraca como um suicídio. Suicídio vale a pena? Não sei, nunca sobrevivi a um, mas prefiro leite quente com conhaque. A vida não muda as perguntas, só mostra o quanto as respostas estavam equivocadas.
– Esqueça o leite Romeu.
– Gostaria de me virar do avesso e enxergar as cores do meu corpo misturado com os efeitos da minha alma formando um arco-íris preto e branco. Porque isso? Para apalpar o que destruo sem as mãos. Meu nome é Romeu, mas não se apaixonem por mim, suguem o máximo que puderem e eu serei grato por poder culpá-los das minhas culpas. Desisto. A palavra vale menos que um verme localizado em fezes humanas sangrentas no meio de uma calçada cheia de brita e buracos. Desisto. O dinheiro fede mais que uma caixa de gordura repleta de pelos caninos. Desisto. Vende-se a mãe, vende-se o pai, vende-se a honra, vende-se o intestino cheio. Muito bem, desisto de desistir, o limite nunca esteve mais próximo. Apoio. Venda o que tem de mais valioso, pise nas fezes humanas sangrentas que estão encima da sua cama, misture dinheiro com a gordura que se acumula no esgoto e engula. Sintam o prazer de perder e depois peçam minha ajuda. Mostrem-me o começo e eu acabarei com o infinito.
– Valeu Romeu. Até a próxima.
– Ainda não acab…..

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