Entreguei um bilhete premiado
A uma pomba que levou-o até o paraíso
Lá rejeitado, ela o trouxe de volta
Com um pequeno recado
Que li pela metade, antes de lançá-lo
Pelas frestas do muro
Ela disse:
“O único jeito de não se atrasar, é andando devagar”
Atirei-a pelas frestas do muro
Algumas penas ainda me fizeram espirrar
Olhei em círculos
As sombras das árvores ainda dançavam aquela recente música
Que faz o chão secar espremido
Entre o céu e um piscar de olhos
Os 365 pedidos
Calcados embaixo dos pés da cama
Meus preferidos no pé direto da cabeceira
Os outros sem preferência
Apenas uma dose quase nula de satisfação
Tropico no violão desafinado
Deixado ali por um mestre de artes marciais careca
O som faz as sombras se abraçarem em folhas
A pomba do outro lado do muro ouve
Ela grita para eu ouvir:
“O único jeito de não desafinar, é tocando devagar”
Atiro o violão pelas frestas do muro
Ele cai do outro lado afinado
Embora, sem uma corda que parou na passagem
A mais grossa
Que uso para amarrar duas sombras de duas sombras
No pé direto da minha cabeceira
Elas não são minhas preferidas
Mas detestam o espelho
No eclipse total
Ouço uma voz imponente
Que surge pelas frestas do muro
Com eco e tom lascivo
“Um homem torna-se homem, tornando devagaaaaar”
“Pomba filha da puta!”
Joguei-me pelas frestas do muro
Minha pele ficou
E rastejou-se para a dança
Do outro lado, sob o corpo imóvel da velha ave
O bilhete premiado
Com o recado que li por completo dessa vez:
“Comece um poema, depois comece uma guerra contra ele. Termine um poema, e sua pele jamais será a mesma”