dito perdedor

quando você acaba um ano com 39 poemas escritos
você inevitavelmente se pega pensando em Bukowski
e outros poetas dignos
de lembrança.
então por alto você calcula:
Bukowski teria escrito,
FACILMENTE,
uns 1460 POEMAS.
mas você não o viu escrevendo
por isso prefere acreditar que elevaram o sofrimento
e na sua cabeça constam apenas 720 poemas.
nada de 730!
– que PORRA você acha que sabe?
no final das contas o resultado é tão óbvio
que você acaba se masturbando com as fotos da sua mulher
enquanto ela dorme ao seu lado
sem
calcinha.

lucro líquido

já tem alguns dias
alguém vem usando o banheiro
aqui em casa. não sei quem ou porquê
até consigo imaginar o motivo
mas não o estrábico
intruso. só sei que toda manhã
tenho vivenciado o mesmo estrago:
esse corvo bicando minha janela
revivendo Hitchcock
e uma bela urinada na parede
confirmando minha sorte.
hoje cedo, enquanto ainda matutava
buscando resolver o mistério
ao abrir a janela, vacilei
e distraído o corvo me levou um olho
na tardinha, tudo pairava indefinido
eu ainda não tinha resolvido
o problema do banheiro muito menos
o do olho, quando ele voltou e levou
meu segundo sapato
me deixando descalço
e ainda mais,
curioso.

consciência apurada

alguns poemas se perdem feito consciência
no sábado à noite, e nunca mais
são recuperados.

 

em mais uma noite
mal iluminada pelos observadores
postes, movimento meus pés
repetidas vezes, saindo do lugar
decidido a ser alguém
melhor.
já não posso mais.
preciso largar o cigarro
o trago, a erva
a putaria, os tecos
os baques
e todos os outros
vícios.
preciso ter horários
preciso ter amigos
preciso ver meus
filhos

PRECISO MUDAR!

preciso incluir comida
no cardápio diário
compartilhar com a mesma mulher
um almoço farto
alimentar o gato
com comida de gato
no fim das contas;
viver uma vida
mais digna.
afinal, que sujeito ébrio
tenho sido? quem foi
que ainda
não desrespeitei?
quem sou eu
para o gato que atualmente
mudou de cardápio?
e para o rato
que desamarrou
meu cadarço?

no caminho do trabalho,
que já não percorro há alguns dias,
começo a seguir um homem.
um sujeito aparentemente
normal.
com passos precisos
parece saber onde quer
chegar – e isso muito me atrai
por isso apresso o passo
ainda mais
visto que ele caminha rápido
lembrando bem
minhas próprias passadas
meu próprio
ritmo,
a diferença;
parece saber
onde vai – definitivamente
por isso continuo seguindo-o
disfarçadamente
não ousando se quer
tirar as mãos sujas
dos bolsos furados.
preciso ver
onde este homem vai chegar
e como vai se salvar.
eu verdadeiramente não sei o motivo
mas não consigo evitar
sinto que preciso aprender algo
com ele
parece ser a única saída
por isso aperto novamente o passo
quando o vejo
sem nenhuma dificuldade
adentrar em um ônibus
todo vermelho.
eu grito com o motorista
que fechou a porta na minha cara
chuto a porta, faço o diabo
e então ele a abre
novamente, embora que me ignorando
totalmente, como se
eu fosse invisível, ainda assim
antes que eu possa dizer
qualquer coisa
ele me comunica sem dizer
uma única palavra:

“permitimos animais
porém jamais
uma consciência
apurada”

sem reação, observo o ônibus partir
lentamente, a ponto de conseguir ler
em sua lateral em letras sinceras
e amarelas:

ser “normal” é o ideal
dos que não tem
êxito.