Bob fez uma grande merda, ele não sabia, mas tinha feito. Tava com um longo sorriso por toda a parte, um sorriso de estuprador misógino, mas tinha feito uma grande merda. Bob tinha sorte, muita sorte, sua mulher era rica, com dois empregos, uma morena cheia de marcas, de surra mesmo, de paulada e socos frontais.
Todos que cruzavam com Bob ouviam: “Fiz um baita negócio cara”, “O que você fez Bob?”, “Eu comprei um terreno por R$ 20.000,00”, “Porra meu chapa, não se acham mais desses por aí”, “É plano e gigante, vou fazer uma casinha e colocar mesas de sinuca”, “E de onde vai tirar dinheiro?”, “Minha mulher paga”, “Ah, claro, sua mulher”. Do outro lado do negócio estava o seu Alcindo, carinhosamente chamado de Tio Alcindo, pelo irmão, pela esposa, pelos amigos e por Bob também. Alcindo já pisava pela terra durante a segunda guerra mundial, seus cabelos grisalhos eram duros como o pasto, já tinha sobrevivido a um infarto, diabetes, câncer e um verme na cabeça. Um veterano nos negócios, e dessa vez foi mais que justo, foi solidário, “Bob, minhas terras não caberiam no Paraguai, então, por ter conhecido teu pai, vou fazer um preço impensável pra esse terreno. R$ 20.000,00 e é teu”, “Tio Alcindo, ele é meu”.
“Mônica, tens R$ 20.000,00 no banco?” “Tenho Bob, por que?”, “Lembra do Tio Alcindo? Quer apenas R$ 20.000,00 de um terreno, fechei negócio com ele. Tira do banco e me traz amanhã, ele quer em dinheiro à vista”, “Mas Bob…”, “Mas Bob nada. É minha mulher ou o quê?”, “Sim Bob, sou sua mulher”, “Não fique com essa cara de lagartixa, mais tarde tu ganha teu lanchinho”.
“Tá aqui tio Alcindo, R$ 20.000,00”, “Óóó Bob, você é um homem de palavra, seu pai ficaria orgulhoso”. Sem escritura, e sem um pingo de inteligência Bob foi pisar na terra, paga por sua mulher pungida como um controle remoto sem pilhas.
Os limites ficaram claros, depois da primeira propriedade ocupada por Alcindo, sua esposa, seus porcos elefantes, vinha o terreno de Chico, irmão do próprio Alcindo, um ano mais novo, que morava ali também há uns vinte anos, sozinho há dois, só fumando palheiro e batendo as botas “Que vida, que vida, me leve Deus”, “Pelo sagrado Senhor, o dia que minhas pregas pararem de funcionar eu me mato”. Inúmeras vezes antes de dormir tentava reanimar o pau, lembrando do perfume de uma xota castigada, que tinha conseguido em uma noite de bolero, quando ainda era viril, “Levanta coisa linda, levanta, levanta, levanta filho da puta”.
Depois do terreno do Chico, vinha o de Bob. “E então meu filho, o que vai fazer agora com esse terreno? Alguma plantação? Essa terra é boa ein, dá legumes dos bons!”, “Nada Tio Alcindo, vou fazer uma casa de jogos, uma entrada de concreto até aqui, e lotar de putas, quando puder”, “Ah meu caro, aqui é um lugar silencioso, te peço que não faça barulho, as coisas estão boas assim, estamos todos aqui só esperando a morte, devagar Bob”, “Tudo bem Tio, vou devagar”.
Certo arrependimento passava pela cabeça de Alcindo, ele fraquejou no negócio, o terreno valia mais de R$ 30.000,00. Mas a idade e as histórias com o pai de Bob fizeram ele abaixar a guarda, justamente com quem não podia.
Bob levou sua mulher conhecer o investimento. “Tio Alcindo, essa é minha mulher, Mônica! Trouxe ela dar uma olhada”, “Ah, tudo bem Bob, pode ir até lá, é seu agora”. Eles passaram por Chico batendo as botas e fumando palheiro. Caminhavam em silêncio sobre suas terras, mais do Bob do que de Mônica, que fingia ser só mais um bolo de terra pisado. “O que achou meu amor? É grande né. Nos demos bem nessa!”, “Ah, eu gostei sim Bob, dá pra cercar e criar alguns animais, ganhar algum dinheiro por aqui também”, “Por favor mulher! Você só pensa em dinheiro! Vamos construir uma casa pros nossos finais de semana! Já pensou, uma piscina aqui, com um gramadinho, uma churrasqueira, isso sim que é planejamento e investimento!”, “Mas Bob…”, “Mas Bob o quê?”, “Nada Bob, acho que é uma boa ideia”, “Essa semana já vou fazer um empréstimo no banco, e começar a construção. Quanto consegue pagar por mês?”, “Uns R$ 500,00 por mês até dá”, “Tudo bem, vamos pra casa”.
Passaram pelo Chico batendo as botas e fumando palheiro. “Até mais tio Alcindo”, “Até Bob”. Depois de dois dias o recém proprietário foi ao banco fazer empréstimo. O dinheiro seria depositado em três dias uteis. Já aproveitou e passou na construtora. “Fala Bob, meu querido, o que te traz aqui?”, “Opa Alfredo, vim aqui porque quero que você construa mais uma casa pra mim”, “Outra casa? O que aconteceu com aquela?”, “Tá em pé ainda, essa é outra, no meu novo terreno. Paguei R$ 20.000,00 de uma terra, acredita?”. Entraram no escritório, resolveram o orçamento e o prazo. Tudo andava como o lagarto sorrateiro planejava. “Môniquinha meu amor, amanhã eles começam a fazer a estrada de concreto pro nosso terreno, em menos de três meses o Alfredo me prometeu tudo pronto”, “Ah, que bom Bob!”. As máquinas começaram aparecer naquele pedaço de vida mórbido.
“Levanta, levanta, levanta seu pinto de uma figa. Eita, que barulheira é essa”. Chico saiu para a varanda, batendo as botas e fumando um palheiro. “E aí Chico!”, “Hei Bob, quero saber o que essas máquinas barulhentas estão fazendo por aqui?”, “Estamos fazendo uma estrada, pra depois construir minha casa ali no terreno”, “Que estrada? O que está fazendo com minha terra seu cabeçudo?”, “To melhorando, nem precisa agradecer”. Jogou o palheiro fora e foi falar com seu irmão. “Alcindo, viu o que esse pirralho tá fazendo por aqui?”, “Eu vi Chico, me arrependi de ter vendido aquele terreno”, “Não vai fazer nada? Essas máquinas estão acabando com nossos lotes”, “Acho que irei matá-lo”, “É uma boa ideia”. A estrada ficou concluída em cinco dias. “Meu velho, como deixou aquele malandrinho fazer essa estrada por cima da minha horta de repolhos? Fiquei triste tio Alcindo, muito triste”. Tudo acontecia muito rápido, as caçambas deixavam brita e areia, e sumiam. Os pedreiros bebiam cachaça embaixo do sol e da sombra, e colhiam todas as frutas que conseguiam dos velhos.
“Levanta, levanta, agora vai, ai meu Deus, levanta…”, “Cledir!!! Preciso de mais cimento!”, “…levanta pau véio, o cheiro, lembra do cheiro…”, “Cledir!! Manda uma bergamota aqui pra cima!”, “…bergamota?”, largou o pau mole, puxou as calças pra cima e saiu porta a fora, esqueceu até de bater as botas e acender um palheiro. “Escuta aqui Cledir! Se eu te ver mais uma vez com uma bergamota minha na mão, eu te dou um tiro”, “Hei velhinho, o Bob disse que a gente podia comer”, “Onde ele está?”, “Tá pelo centro da cidade, negociando”. Chico foi novamente até à casa do seu irmão. “Dolores, onde tá teu marido?”, “O Alcindo pegou a camionete e foi até o centro da cidade Chico”, “Ele levou a espingarda?”, “Não vi Chico”, “Vou esperar ele aqui Dolores”, “Ta bem, quer um pedaço de cuca?”. Batendo as botas cada vez mais forte, “Eu vou matar o desgraçado” ele pensava. A camionete entrou pelo portão. “O que faz aí Chico?”, “Te esperando. Matou ele?”, “Quem?”, “O Bob”, “Ainda não”, “ Tá esperando o que?”, “A casa ficar pronta”, “Meu Deus Alcindo, tu tá mais maluco que eu”, “Não tem escritura nenhuma, esse terreno é meu ainda”.
E a casa ficou pronta em dois meses, e tudo era lindo, foram convidados para a inauguração o Alfredo, o Chico, o Alcindo, a Dolores. “Que bela casa Bob!”, “Obrigado Tio Alcindo”. E os porcos elefantes rosnavam, as bergamotas caíam maduras, a cuca da Dolores já tinha acabado um mês antes, as botas do Chico perdiam a cor da sola, Alfredo ria com os elogios rasgados pra construção, Mônica rebolava sua bunda para o Alfredo que mais tarde a comeria apoiada na churrasqueira, e Bob queria mais, sempre mais, e logo ele teria mais, muito mais do que merecia.
E naquela noite o pau do Chico endureceu.