Uma voz feminina fora do palco chama pelo nome da criança, que sai correndo em direção a ela, deixando o cavalo branco no chão. Um homem sem camisa atravessa o palco correndo. Logo atrás um policial faz o mesmo, depois o cadeirante também, em alta velocidade. Ouve-se tiros e alguns gritos. O morador corre até o meio do palco, e observa o que acontece fora dele. Resmunga baixo, desaprovando algo. Caminha até a frente do palco, na frente da mesa e faz sinais de que está chamando alguém na direção da plateia. Assovia. Grita: Eeei!!! Eeei!!! Preciso falar contigo!!
Resmunga novamente, aparentemente sem resposta. Senta em um banco ainda de frente pra plateia, retira uma bergamota do bolso e começa descascar jogando as cascas no chão. Um malabarista com a cara pintada e chapéu carregando três facões para no centro do palco, atrás da mesa, e começa fazer malabarismo com os facões. O morador se vira para ver, chupando a bergamota e cuspindo as sementes no chão. Alguns transeuntes com medo dos facões começam a desviar do malabarista. Passam pela frente da mesa e alguns bem no fundo do palco, olhando com olhares assustados. Outros param para ver. O malabarista deixa um facão cair no final da apresentação, recolhe-o, e saúda alguns espectadores com uma reverência. Depois retira seu chapéu e vai na direção deles para que coloquem dinheiro dentro dele. Todos os espectadores se dissipam sem dar nada.
O morador chama o malabarista, que vem até ele.
– Porra irmão, ia te dar cinquenta reais se não deixasse aquele facão cair no final – diz o morador.
– Quê?! Pergunta o malabarista desconfiado.
– Olha só cara. Você está fazendo isso errado. Essas pessoas te acham uma sanguessuga, e eles não deixam alguém assim como você sugar o dinheirinho deles, eles preferem serem comidos pelos patrões, entende? O que você vai fazer daqui pra frente é o seguinte. Escolha uma esquina da cidade, movimentada, e fique nela durante três meses, todos os dias. Faça teu malabarismo como nunca fez, aperfeiçoe, e ao acabar, não vá pedir dinheiro, porque é isso que eles esperam, porque eles são assim, tudo que fazem colocam preços. Apenas cumprimente os motoristas da primeira fila, saia andando e sente ao lado da rua. Mostre superioridade, eles amam isso. Logo, logo, sua fama irá se espalhar. Chegarão em rodas de amigos e esposas e citarão você. “Vocês viram aquele paspalho que faz malabarismo de graça no sol e na chuva? Como alguém consegue fazer isso?” Sem demora alguns vão te chamar pra lhe dar alguns trocados pela janela e te apertarão a mão, vão querer te igualar a eles, cada vez mais. Você se tornará personalidade, aquela esquina ficará congestionada, haverá palmas, você será um herói, dando alegria para humanos de graça, tipo Deus.
– E como eu faço pra comer nos primeiros meses?
– Sei lá. Corta cana.
– Tá maluco?!
Malabarista sai do palco por um lado e o morador pelo outro.