Novamente as luzes se apagam e o narrador diz:
Pombos atrozes e vigaristas entre transeuntes, magnífica convivência singular. Poeira nos olhos, grudada nos chinelos, dentro do caldo de cana, dentro dos corpos úmidos. Calamidade são aranhas voadoras. O menino tenta aprender dominó, mas só sabe contar até cinco, então dão-lhe uns trocados para comprar chocolate, mas se engana de barraca. Os taxistas erguem as mangas das camisetas, um é tatuado e não usa meias. A magnitude é volátil, trabalhadores consertam um cano cavoucando a calçada, o craqueiro seduz o vendedor de picolés, enquanto o pombo defeca sobre o banco de pedras.
As luzes se acendem e o personagem aparece voltando comendo uma rapadura. Senta no banco e percebe as peças fora do lugar. Olha para os lados, e começa a montar a posição como estava. Percebe o cavalo branco faltando, então olha pro chão e nota-o, recolocando no tabuleiro.
Personagem continua diálogo com adversário imaginário:
– Foi comprar essa rapadura onde? No México?
– Tinha uma baranga burra de dar febre na minha frente. Levou rapadura pro ano todo. Não jogou ainda?
Personagem faz um lance. Plic. Continua diálogo:
– Ganhou de algum dos três jogadores de nível internacional?
– Ganhei de dois, mas também perdi para os três. Um, andei lendo notícias ultimamente, tornou-se o mais jovem brasileiro a conseguir a norma de Grande Mestre Internacional. Quando enfrentei-o pela primeira vez era apenas Mestre FIDE. Perdi. Lembro-me vagamente daquela partida, foi a que melhor joguei contra ele, nas outras duas vezes passei vergonha, fui judiado como um peru de guri novo. Outro também era Mestre FIDE quando venci, pura sorte, estava mais perdido que papagaio mudo na posição, mas encontrei um golpe tático e ele caiu como amador. Em outras ocasiões fui triturado. Já com o terceiro, joguei duas, ganhei a primeira, perdi a segunda.
De fora do palco barulhos de gente trabalhando, britadeira, gritos, o personagem para o relógio e observa a situação que ocorre fora do palco (diálogos dos trabalhadores):
– O que tá fazendo aí cara?
– Estourou essa merda aqui!
– Deixa vazar.
– Seu doido!
– Amanhã os caras resolvem.
– Eu trabalho amanhã.
– Mas eu não.
– O Arnaldo me pega pelo pescoço
– O Arnaldo vai entrar de férias, acha que tá ligando? Vamos rangar ali na pastelaria, nem almocei hoje.
Voz do cadeirante também fora do palco:
– E aí guerreiros, comprar uma trimania?
– Faaaallaa Robocop!!
– Quanto tá pagando?
– Um corolla mais 70 mil no quarto prêmio. 10, 11 e 13 mil nos primeiros sorteios – Responde o cadeirante.
– Qual valor?
– Dez pila
Cadeirante grita anunciando a loteria “Olha a trimania, vamos comprar, vamos comprar que tá acabando”
– Robocop, bora ali na pastelaria. Deixa isso aí que os caras resolvem amanhã.