Vi anjos de plástico
Assim como vi o pau de plástico
Ela acreditava que o bicho papão
Tinha oito dedos em cada mão
Falei que tinha matado o danado
Com uma pistola d’água cheia de vinagre
É sério, ela disse
Vi o picareta tentando mostrar o dedo do meio
Mas ele tinha oito e não tinha um dedo do meio
Ora ora mulher, que siririca desperdiçou
Siririca – confessou – pra mim é como um carburador velho
Só fede e não liga
Meu negócio é língua
Língua áspera e grossa
Rachada e cheia de cores
Por todo autódromo
Deve ser mais lisa que uma capa de livro
Nada! Nunca me depilei, acho desnecessário
Sou natural como o brilho nos olhos do canário
Natural como a carne nas gengivas do tubarão
E o bicho papão
Você quer mais uma bebida?
Por favor
A vela sete dias estava no sexto
A faca no chão tinha sangue seco na ponta
O incenso fedia canela
TV ligada no último volume
Contando um fato de lástima racional
Tremendamente constrangido
Por fazer aniversário ali
E como presente
Uma torrada de querosene
Saudei os anjos e o pau de plástico
Facas e os rasgos no sofá
Privada entupida
Gatos boiando na piscina
Mãe morta após uma temporada familiar
Fumaça dentro da geladeira
Cheiro de sapo nos travesseiros
Cobertores com figuras do arco-íris
Pantufas dentro do plástico
Calcinhas em pó de neve
Boquete enquanto segurava um peido
Nossos sabores não se entrelaçaram
Não à toa
Meses depois
Quando passou de carro e grasnou em filtro branco
Circulando a rótula pra voltar
Me escondi dentro de um banheiro de posto
O único brilho natural que eu carregava
Era uma moeda da Argentina
Vapores, vapores
Caçando as amígdalas e as mariposas
Em casa após três dias do aniversário
Comi dois ovos cozidos
Sentei pra escrever
Mas não saiu nada
Imaginei o bicho papão de oito dedos
Entalhado na parede
Mostrei-lhe o dedo do meio
E uma lágrima solitária
Caiu dentro do copo