Peça uma peça ( XXVII )

Voz de narradora fora do palco

– Sim?!

Voz do cadeirante mais baixa, como se estivesse longe da porta

– Olá senhorita, comprar uma trimania hoje?

Voz da narradora

– Quanto tá pagando?

Voz do cadeirante mais baixa
– Um corolla mais 70 mil no quarto prêmio. 10, 11 e 13 mil nos primeiros sorteios.

Voz de narradora
– Qual valor?

Voz do cadeirante mais baixa
– 10 pila

Voz de narradora
– Já vou aí

Narradora entra no palco e vai até Valter pegar o dinheiro. Nesse intervalo, surge a voz do bêbado, também mais baixa, falando com o cadeirante: “Ôôô, da cadeira”. Cadeirante responde meio ríspido: “10 pila”. Bêbado pergunta: “Não tinha uma praça por aqui?”. Cadeirante ainda ríspido: “Segue três quadras pra lá, vira à direita, mais duas quadras e vira à esquerda”. Bêbado: “Obrigado”. Som de porta fechando. Narradora volta pro palco olhando para a loteria que comprou e guarda no bolso da calça.

Narradora faz gesto de figa (sorte) para a plateia e segue com a cena

Ela largou a arma e espichou suas lindas pernas lisas e congruentes na cama, sentiu-se traída por aquele homem bom de piça. Toda a cena que fez, a insinuação de uma fêmea num cio ávido, o rebolado astucioso, o perfume nos seios, tudo um erro, ninguém podia mentir para ela. Não assim, Paulo Henrique por Romildo era trágico demais para sua cabeça. Vander separava as notas com grunhidos.

Vander erguendo uma das pernas    

– Escuta esse Salete!

Barulho de peido.

Narradora

Um peido afinado e estável. Melodia capaz de ser inserida em uma sinfonia de Mozart ou atravessar Óperas inteiras e arrancar aplausos.

Narradora puxa palmas insinuando para a plateia também aplaudir.  

Salete

– Bonitinho esse Vander.

Vander

– Sou um artista de intestino. Devo isso às pontes de safena que carrego nas tripas.

Salete

– Eu sei, eu sei. Vamos cortar logo esse!

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