Peça uma peça ( XXVI )

Vander  

– Quem era esse maninha? 

Salete

– Um dos grandes do banco.

Vander

– Opa. Deve estar recheado.

Salete

– Tomara.

Narradora para a plateia

Vander deu uns passos para tentar chegar à carteira do defunto sem se sujar, pisando aos poucos. Salete olhava, brilho nos olhos, abertos como um sinal verde. Outra formiga transitava freneticamente, já tinha visto uns cinco mortos por ali naquela semana, com glicoses altas e baixas, sentia vontade de nadar e nadar, morrer afogada num oceano doce e diabético.   

Narradora acompanha a cena curiosa.

Salete

– Que sujeira dos infernos, creio que acertou o coração desse cara.

Vander

– Existe algum livro afirmando que os negros têm mais sangue que os outros?

Salete

– Não, só pau.

Vander

– Ainda bem que morreu de costas. Achei a carteira!

Narradora

Vander pega a carteira e depois, curioso, levanta o morto para tentar conferir o tamanho do pênis.

Vander olha para a narradora desaprovando a sugestão de mexer no corpo (boneco). Narradora confirma positivamente com a cabeça. Vander olha para Salete que não sabe o que dizer. Vander pega a carteira e a contragosto ergue o corpo (boneco) com uma mão até acima de sua cabeça, conferindo o instrumento do boneco e mostrando para a narradora. Vander recoloca o boneco no chão.

Os dois voltam para a cama e sentam. Vander abre o zíper, tira as notas e começa contar, enquanto Salete tira um documento do homem da carteira. Narradora só observa.

Vander

– Estamos ricos Salete! Tem mais de mil reais aqui!

Salete em choque

– O filho da puta mentiu o nome! Olha só, me disse que era Paulo Henrique e se chamava Romildo. O desgraçado acabou com minha fantasia!

Vander

– Relaxa mana. Olha só quanto dinheiro!

Salete atordoada fora de si

– Pro inferno.

Salete levanta com a arma e vai até perto do morto. Dispara mais três tiros no corpo parado (barulho de disparos). E vagarosamente vai apontando a arma para a narradora. Salete atira muitas vezes contra a narradora (sons de gatilho apertado sem munição). O revólver não tem mais balas.

Vander

– Sua psicótica de araque.

Salete um pouco conformada, depois de abaixar a arma

– Vamos cortar ele em pedaços logo. Não gosto mais dele.

Vander

– Mil e trezentos reais! Aleluia! Aquele frentista de ontem tinha só cinqüenta.

Salete

– Pelo menos o frentista não mentiu pra mim.

Som de campainha, os três olham surpreendidos para o mesmo lado. Narradora gesticula com os braços pedindo alguma informação, mas nenhum dos dois faz idéia de quem seja. Narradora ainda com gestos, manda Salete pra cama e avisa que vai dar uma olhada quem é.

Som de campainha. Narradora sai do palco.

Som de porta abrindo.

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