uma aranha atemorizada atrás do vaso sanitário
aguardando a chinelada apocalíptica de Deus
num mundo descrente onde impera
aerossol.
uma aranha atemorizada atrás do vaso sanitário
aguardando a chinelada apocalíptica de Deus
num mundo descrente onde impera
aerossol.
sirvo-me dos livros
como sirvo-me
dos litros, assim sendo
tenho alguns bons
amigos.
– pra não citar
Voltaire
toco o dantesco piano
com minhas patas de cachorro
humano
esperando soar como satã
mas a música é simples
sem nenhum elã
ainda assim persisto
porque o agrado precisa ser feito
ainda hoje, ou nada
feito.
vejo crianças na rua
e quando olho para trás
não vejo nada.
o sujeito
se sujeita
a sujeira
da sujeita
se não tem
jeito
ou outra
BUNDA!.
continuo escrevendo poesia
porque honestamente
me divirto. é algo como cagar bêbado
no banheiro de um ônibus em movimento
enquanto as crianças continuam
chorando, os velhos tossindo ou roncando
as galinhas cacarejando e a vida seguindo
em qualquer direção oposta
à do ônibus
eu, todo cagado lá no fundo
permaneço nu
embalo.
duas estranhas
na primeira noite
normal do ano
das quais não recordo
se quer os nomes
as quais foram embora
enquanto dormia
das quais me lembro bem
os contornos
das quais ainda tenho
um pouco do cheiro
as quais não me roubaram
por honestidade ou
cortesia? não sei
no fim
o que ficou além
do desejo
de repetir a noite
foram duas calcinhas
ao lado do caderno
onde constava: choripán
e um coração muito bem
desenhado.
sentado aqui
na ausência do dedo
decepado ainda ontem
ouvindo aquele mesmo
bem-te-vi te chamar
me pego pensando
onde foi que você
foi parar? como foi que
a espantei
tão
rápido?
me faz mais falta
do que esse dedo
que já não me incomoda
mais.
o cachorro fareja meu ódio e meu desprezo
escorrendo lenta e diretamente
da sacada do quarto 103
para a calçada
uma boa fungada
com o pescoço bem disposto
narinas bem abertas
são segundos
antes que atravesse a rua desatinado
e seja despedaçado por um caminhão carregado
em toneladas de momentos
jamais esquecidos
foi a última vez para ele
eu lamento e continuo escorrendo aos montes
morrendo aos poucos..
de quanto azar preciso
para ter um pouco de sorte?
perguntei para o gato
aqui do meu lado
que não sabe sua idade
mas é muito peludo e ronrona
em várias línguas diferentes,
perguntei para o cachorro
que no ano passado
não votou em branco
nem vendeu seu voto
só enterrou seus ossos,
para o frango
que preparei no almoço,
para o porteiro
que não guarda portas,
para o Alce, porque o encontrei
no caminho, para o guarda-chuvas
que já não vem guardando
nada. e por hora
estou convencido: éter
é eterno.