Passado envelhecido ( IV )

A noite chegou em seu compasso, sem pressa, e somente eu e o Jaimir permanecíamos afundados nas cadeiras, os outros foram aos poucos se dissipando e levando na memória uma tarde ambígua. Devia ser umas 22:00. Cedemos uma mesa para outro grupo de pessoas e mandamos vir mais duas geladas. O Jaimir estava cada vez mais engraçado, e eu cada vez mais bêbado. O barulho no bar era intenso. As mulheres eram belas, tinham um produto cada uma pra mostrar e enlouquecer. O cheiro delas atravessava a noite como as estrelas cadentes, deixando uma calda para serem seguidas e penetradas conforme desejavam. Em nosso caso, seria mais fácil um astronauta cair na mesa e pagar mais duas cervejas. Pedi pro Jaimir contar mais uma vez a história de como quebrou o dente da frente. Era impagável sua atuação, eu ria e desabava na mesa, pra que ser escritor se em algum momento do trabalho todos corrompem seus prazeres? Era bem mais fácil beber e ver a dramatização daquela história.
Foi então que ela apareceu, era loira, cabelos curtos envoltos em uma touca preta, com um shorts jeans, blusinha branca apertada, com peitos procurando uma forma de se sentirem livres, usava chinelos de dedo, pés pequenos. Suas pernas eram compridas e contornadas pela luxúria, uma calda bem ao nosso lado, alterada, seu olhar era vago e atravessava as outras mesas colocadas na calçada, a rua, um prédio, a escuridão e o barulho. Parada ao nosso lado com as mãos na cintura parecia tentar compreender alguma coisa. Uns minutos antes, ao ir até banheiro, percebi ela cheirando cocaína em uma mesa no fundo do bar, bem escondida.
Tentei chamá-la quando a vi ali, mas nem ouviu. Foi Jaimir que chamou sua atenção com um movimento de braço. Que olhar insano, rompeu a velocidade do som como se dissesse “Eu acabo com você desdentado”. Ele recuou.
– Hei gata, sente-se aqui conosco – falei.
Arrastei uma cadeira e fiz sinal com a mão. Por alguma razão tinha certeza que ela sentaria, eu não era feio, só tinha um pau três milímetros abaixo da média nacional e vestia um uniforme de trabalho honesto, e felizmente, a informação sobre o pau podia guardar pra uma surpresinha doravante. Ela ficou um pouco aturdida com a situação, olhou pra cadeira, olhou pra mim, pro Jaimir e pra cadeira. Não falou nada, apenas sentou.
– Tudo bem? Continuei.
As palavras simplesmente não saíam por ela, pareciam presas. A boca insistia em não abrir. Ela me olhava somente nos olhos, eu alternava entre seus peitos e seus olhos. Finalmente sussurrou:
– Quem é você?
– Sou Ramon e ele se chama Jaimir. E você?
– Glória.
– Oi Glória, que tal irmos pra um motel nós três? Disse ele, querendo terceirizar um sexo.
Não era de meu feitio largar uma dessas logo de cara pra uma mulher que aparentava loucura internada e enclausurada. É bom conversar com elas, vê-las perdendo-se totalmente nas linhas de raciocínio, mas nunca perdendo a energia que resta. Embora eu também logo estaria embalando frases perdidas e sem nexo. Novamente ela lançou um olhar que o colocou no lugar.
– Você é muito bonito Ramon – ela disse.
– Bom Glória, já que começou uma conversa sincera, meu pau é três milímetros abaixo da média nacional.
– O meu é maior que a média.
– Mas eu tenho todos os dentes Glória, todos amarelados, veja.
Mostrei-lhe os dentes e depois olhei pro Jaimir e disparei:
– Dá um sorriso aí africano.
– Vai-te a merda – me respondeu.
– Então Glória – falei – você tem um pouco de pó no nariz. Andou fazendo bolo?
Esfregou sua mão inúmeras vezes nas narinas, um pouco assustada.
– Não, não, estava cheirando cocaína lá perto do banheiro. Saiu o pó?
– Deixe-me ver mais de perto.
Encostei meu nariz em seu pescoço, ela tremeu um pouco com o choque de temperaturas corporais, ela gelada, eu fervendo. Dei-lhe um beijo de leve no pescoço, queria poder ver sua cara nessa hora, queria poder ver sua buceta reagindo aos meus impulsos disparados com o toque, aquela buceta viciada sentindo meu corpo alcóolico transmitindo uma mensagem de sustentação. Não tinha pó, não tinha cheiro, era pele somente, pele e descontrole. Me afastei aos poucos.
– Saiu sim Glória – falei.
– Vou pegar uma cerveja pra gente – ela disse e levantou-se.
O Jaimir firmou um olhar em mim enquanto acendia um cigarro.
– O que foi? Perguntei.
– Quer ver se tenho pó no nariz também?
– Tu tem pó nesse buraco do dente.
– Filho da puta. Por que falou isso? De onde ela sentou nem daria pra ver. Três milímetros abaixo da média? Brasileira ou japonesa?
– Três milímetros pra te enfiar no rabo. Agora vê se cala a boca e esconde esse buraco.
– Acredita que ela vai voltar? Tu espantou a mulher com esse bafo cozido e esse cheiro de asa que dá pra sentir daqui.
– Essas mulheres se alimentam disso. Por Deus Jaimir, ela sentou ao lado de dois uniformizados. Acha que ela esperava um cheirinho de hortelã? Ela sabe que queremos fodê-la, nós dois, então pare de falar coisas óbvias ou vai pra casa.
– Ela disse que ia trazer cerveja, ficarei aqui.
Passou-se uns quinze minutos até ela voltar com uma cerveja. Seu olhar tinha mudado, estava alegre. Pela primeira vez a vimos sorrindo, e nem sabíamos o porquê, até ela falar.
– Voltei rapazes. Consegui essa cerveja e uma buchinha de pó tocando uma punhetinha no banheiro.
– Que maravilha – falei – pode deixar que me sirvo.
– Me serve também – disse o Jaimir.
– Eu lavei as mãos seus bobos. E o cara nem conseguiu gozar.
– Tu tá valorizada no mercado Glória. Ofereci R$ 3,00 por uma punheta tempinho atrás.
– Haha – ela riu.
– Glória –disse o Jaimir – o que você faz da vida?
– Nada demais e você?
– Trabalho com esse infeliz.
– Um infeliz com trinta e dois dentes na boca – falei.
Alguns outros caras começaram a passear ao redor da nossa mesa, a maioria com mais de quarenta anos e sedentos por um encontrinho no banheiro. Mas ela nem ligava, tinha gostado de nossa companhia e aparentemente uma bucha e uma cerveja já estava bom.
Arranquei sua touca pra ver como ficava sem. Uma touca quente com cabelos curtos grudados. Ela pirou com minha atitude, e eu ria das suas investidas sem sucesso de recuperá-la e colocá-la na cabeça novamente.
– Me dá aqui Ramon!
Lancei pro Jaimir, que logo me devolveu. Ficou furiosa e se atracou em cima de mim pra finalmente recuperar e alçá-la sobre seus outros cabelos curtos e amarelos.
– Escutem aqui, mais uma dessas e eu sumo dessa mesa.
– Relaxa Glória, você fica bonita sem ela – falei.
– Não quero ficar bonita.
– É. Eu e o Jaimir também não. Até acho que ele ficaria mais bonito com essa toca na boca.
– E tu ficaria mais bonito com essa toca no cu – ele me disse.
– Por que não colocamos ela no meu cu e depois na tua boca? Dois homens ligeiramente bonitos!
– Hahaha – ela ria – vocês me matam de rir.
Pegamos mais duas cervejas. A noite estava boa de vivê-la, aquela mulher tinha impedido nossa ida embora. Teria que surrupiar cigarros nos próximos dias pra compensar os gastos no bar, mas Glória não deixava Ramon e nem Jaimir voltar para o consolo de seus colchões e dormir como coadjuvantes de mais uma sexta-feira. Os homens sedentos por punheta também não iriam embora antes que nós. O bar flamejava crendices, como um barulho oco de vozes atracadas na solidão.
Coloquei minha mão em sua coxa esquerda enquanto a ouvia falar da sua tentativa de reabilitação, há dois meses. Havia raspado o cabelo uns dias após sair da clínica.
– Vou ao banheiro, já volto – disse ela sorrindo.
Foi. Nem olhei pra ver se era seguida.
– Hei Jaimir – falei – vai pra casa.
– Vou sim, pra casa dela. Se ela sentou aqui foi por minha causa. Então tira esse rabo loiro da cadeira e se suma.
– Então vamos nós três pra tua casa que é mais perto.
– Não dá. Minha mãe e meu padrasto estão lá, e só Deus sabe o que fariam se me vissem chegando com vocês.
– Então vamos pra minha.
– Muito longe.
– Então vai pra casa.
– Vamos pra casa dela então.
– Pode ser.
Ela voltou com mais uma cerveja e sorrindo.
– Posso servi-los?
– Pode – falei – acho que ninguém goza por aqui. Escuta Glória, por que não vamos beber em outro lugar?
– Não sairei daqui tão cedo hoje – ela respondeu.
– Nem eu – disse o Jaimir.
– Vai ficar fazendo o que aqui Jaimir? Batendo punheta por cerveja? Pode até conseguir um dente fazendo isso – falei.
– Ou posso arrancar um teu com um soco.
– Vocês dois, se acalmem. Jaimir, deixe-me ver esse dente que o Ramon não para de falar.
Ele ergueu uma parte do lábio superior com ela chegando perto pra ver.
– Aaaahh! Que bonitinho! Ficou um charme isso aí.
– Pois é, o charme está na ausência – completou ele.
– Me digam, quantos anos vocês têm rapazes?
– Vinte e nove.
– Vinte e seis Glória, e você?
– Trinta e um.
Permanecemos nessa, bebendo, fumando e trocando de assuntos na maior parte do tempo.
Depois de umas duas horas e não sei mais quantas punhetas o Jaimir decidiu abandonar o barco e me deixar sozinho com ela. Deu-me uma piscadinha, seu aval de que tínhamos lutado juntos, mas não aguentava mais beber e ouvir tanta maluquice. Também estava no meu limite, mais uns dez minutos e eu que daria uma piscadinha pra ele, a piscadinha da derrota e consolo do colchão vazio. O bar ainda continuava movimentado, e praticamente nenhum quarentão rondava nossa mesa mais. Ela sofria por questões que só mais tarde fui entender.
– Hei Glória, por que não atravessamos essa rua e vamos sentar lá naquele gramado?
– Por quê?
– Quero pegar nesses peitos e chupá-los.
– Tem dinheiro pra uma bucha de pó e uma cerveja?
– Não.
– Então vai lá que vou conseguir isso pra gente, já vou lá.
Apesar de tudo ela tentava aparentar normalidade, tinha gostado de mim. Talvez pensasse que um homem vestindo uniforme de trabalho não seria capaz de interessar-se por ela.

Passado envelhecido ( III )

Comecei a ler o livro enquanto andava sob as luzes dos postes, já tinha me habituado ao caminho, pisava sem olhar, atravessava ruas sem olhar. Estava relendo a primeira página pela décima ou mais vezes, quando ouvi uma mulher no orelhão ao lado do mercado esbravejando coisas: “Você me fez vir até aqui e não quer mais? Você com certeza é o maior idiota do bairro! O maior idiota da cidade! O maior idiota do Brasil! O maior idiota do seu cu! Filho da puta!”.
Só conseguia ver suas pernas se balançando enquanto xingava um possível clone meu. As ruas estavam infestadas de Ramon’s e todos eles eram iguais, sabiam exatamente como deixar uma mulher furiosa. Parei um pouco na luz de um poste e fingi ler enquanto continuava ouvindo, ela cada vez mais doida: “O quê? Sua mulher vai chegar daqui a pouco? Por que me ligou então? Vou aí foder ela na tua frente!…Chamar a polícia? Eu fodo eles também! Na tua frente!…E como fica o ônibus que peguei para chegar até aqui?…Você não sabe?…”
Tentei ler de verdade, mas sem sair dali, suas pernas eram curtas. Volta e meia olhava-a dando pulinhos, endiabrada. Sua voz rebatia naquele orelhão e se expandia mundo afora. Era engraçado. Todos mereciam estar ali no meu lugar. Eu somente ria dos seus pulinhos. O mercado já estava fechado. Pegar um ônibus pra vir foder deixaria qualquer mulher maluca mesmo, principalmente se não tivesse dinheiro pra voltar. Por fim ela desligou e eu finalmente consegui engatar a segunda frase mais uma vez.
A princípio ela não me viu e ficou olhando pro céu, parecia procurar uma corda. Parei de ler e analisei o que o Ramon 2 havia refugado em cima da hora. Ela realmente era curta. Seu vestuário beirava o colapso. A parte de cima era toda preta, e salientavam umas tetas curtas também. Usava botas até perto do joelho, o que a encurtava mais ainda. Era um pôneizinho prostituto. Foi então que me viu investigando o que Ramon 2 outrora queria, e falou de onde estava mesmo:
– Hei leitor, quer transar por R$ 50,00?
– Prefiro ler. E não tenho R$ 50,00 – respondi.
– Quanto você tem?
Atravessei a rua e fui ao seu encontro. Ela ia diminuindo a cada passo meu. Ramon 2 era a melhor cópia do original. Não sabia o que fazia mesmo.
– Tenho R$ 20,00 reais aqui – falei – mas se eu gastar tudo amanhã não tenho dinheiro pra fumar.
– Quantos cigarros você fuma por dia?
– Depende. Durante a semana em torno de trinta por dia. Final de semana que é dureza.
Ela abriu uma bolsinha curta também, que eu mal tinha percebido. Arrancou um maço de cigarros, fez uma contagem breve e disse que tinha sete cigarros.
– Pois é – eu disse – é pouco.
– Qual seu nome?
– Ramon e o seu?
– Gabriela.
– Onde você mora Gabriela?
– Nem queira saber. Por favor cara, vamos dar uma por R$ 20,00. Olha pra mim, “valo” muito mais que isso.
Virou sua bunda curta, deu uma mexida para me animar. Não me convenceu.
– O que você acha do seguinte Gabriela. Te dou R$ 14,00 pela foda e você me dá os sete cigarros.
– Não. R$ 20,00 é meu preço mínimo.
– Humm…Beleza, vamos trepar. Mas antes me dá esses sete cigarros.
– Posso fumar um?
– Ah Deus. Fica com esses cigarros aí. Vamos lá pra casa.
Fomos conversando pelo beco, me disse sobre o “bolo” que havia tomado e mais alguma coisa sobre amor próprio, nem liguei.
– O que você está lendo Ramon?
– As mesmas frases há meia hora.
– Posso ler um pouco?
– Claro.
Entreguei-lhe o livro. Deu uma olhada na capa. Olhos curtos, boca curta, nariz curto, cabelos longos. Um cheiro formidável diga-se de passagem.
– Nunca li esse Ramon. É sobre o que?
– Me disseram que esse livro é incrível. E pelo que li até agora, parece que alguém morreu e cava valetas.
– Você me parece um pouco bêbado.
– Verdade. Você literalmente é meia puta.
– Como assim meia puta? Sou puta por completo. Desde os meus vinte anos.
– A é?! Também fico um pouco bêbado desde os vinte.
– Quantos anos você tem?
– Vinte e seis, e você?
– Vinte e oito.
– Ainda é uma carreira curta não acha?
– Oito anos já. Quando chegar aos trinta vou parar, quero entrar na universidade. Você mora muito longe?
Entramos pelo portão, passamos por algumas janelas com as luzes acesas, mas acho que ninguém viu ninguém. Abri a porta, fui direto pro quarto. Ela foi ao banheiro. Tinha tudo pra ser uma foda curta, mas pensava comigo que qualquer buceta do mundo valia pelo menos R$ 20,00. Ela saiu do banheiro me perguntando há quanto tempo morava por aqui.
– Quase um mês – respondi.
– O banheiro tá triste – entrando no quarto. O que é aquele limo negro nas paredes? E por que tanto cabelo e fiapos de barba espalhados por lá?
– O limo já estava aí quando cheguei. O resto é meu.
Sentou-se na outra extremidade do colchão, bem longe de mim.
– Não posso trepar por R$ 20,00 Ramon. Me desculpe. É aquela coisa de amor próprio que te falei sabe?! Não é por você. É comigo, não me sinto bem assim.
– Quer R$ 20,00 pra limpar o banheiro? Perguntei.
– Nem pensar.
– Tudo bem Gabriela. Aceita uma bebida?
– Não bebo Ramon.
– Ok. Quer dormir por aqui hoje?
– Algum problema pra você?
– Não. Você é bem pequena. Cabemos os dois facilmente nesse colchão.
– Pode ser. Você tem muitos livros. Já leu todos?
– Nem a metade.
– Posso ler algum?
– Pode. Vou tentar escrever algo aqui enquanto lê.
– Você escreve também?
– Não muito bem. Mas é o que tenho pra fazer agora.
– Qual livro me sugere pra começar?
Passei um de histórias curtas. O que mais poderia combinar com ela? Pela primeira vez minha nova moradia recebia uma prostituta, e ela não fodia por amor próprio. Nem limpava banheiros. Ramon 2 era mais esperto que o original. Se qualquer buceta do mundo valeria pelo menos R$ 20,00, meu pau não valia nem isso. Nem Ramon inteiro valia R$ 20,00, muito menos o banheiro dele. Passou uns dez minutos até voltarmos a conversar. Eu fingia que escrevia, ela fingia que lia.
– Posso te dar uma chupada por R$ 20,00 – ela disse.
Simples assim, todo o amor próprio era negociável.
– Te dou três por uma punheta – retruquei.
– Três não paga um ônibus pra voltar pra casa.
– Deixa pra lá.
– R$ 10,00 por uma boa punheta então.
– Uma boa punheta eu posso tocar de graça. Quero uma ruim mesmo por R$ 3,00.
– Última proposta. Te chupo por R$ 10,00.
– Chupa aqui então.
Veio com sua língua curta e engatou meu pau curto. Chupava muito bem. Eu afundava sua cabeça curta pegando em seus cabelos longos. Qualquer boquete valeria R$ 10,00. Pra não gozar logo e fazer valer todos os trocados, comecei pensar que Gabriela preferia chupar um pau a limpar meio banheiro, e que se eu tivesse só meio pau, talvez economizasse R$ 5,00. E se eu tivesse meio pau e ela só pagasse meio boquete, então seria de graça. Estava bêbado e seriamente transtornado pra ter essas conclusões. Subitamente percebi que ela estava realmente gostando de chupar. Lambia por toda circunferência. Oito anos naquilo haviam lhe feito muito bem. Então pra finalizar a linha de raciocínio mágica, pensei que se eu tivesse meio pau, ela pagasse meio boquete e só usasse metade da língua, então ela ficaria me devendo R$ 5,00. A melhor mente do bairro sem sombra de dúvidas. Levantei sua cabeça, babava toda excitada.
– Vamos foder de graça – falei.
– Não fodo de graça – ela retrucou.
– Então por R$ 20,00 e foda-se seu amor próprio.
Tirou todas suas curtas roupas, deu uma guinada no traseiro e sentou pra valer. Que mamilos curtos! Pentelhos curtos! Nunca tinha visto uma mulher tão curta. Fodia muito bem, mas eu também, até melhor que ela, era a bebida, quando não te derruba e luta ao seu lado é possível ser incrível. Seu gemido? Adivinhem, curtinho. Ela estava adorando tudo aquilo. Eu estava lhe dando uma foda de R$ 100,00 mais encargos. Estreando o colchão, o quarto e a casa com uma bela performance. Isso soava maravilhosamente bem. Pulinhos curtos e firmes, a cada sentada uma moeda.
– Me fode Ramon, fode essa buceta de vinte pila.
– To contigo mulher, to contigo.
Acabou gozando primeiro, uns cinco minutos depois foi minha vez. Acendi um cigarro e valeu cada centavo.
– Ainda posso dormir aqui? Ela perguntou pelada.
– Claro.
– Pode me pagar agora?
– Tem troco pra R$ 50,00?
Ela riu. Dei-lhe R$ 20,00, terminei de fumar e me virei pra dormir. Ela? Um Hilton curto antes de deitar-se.

Passado envelhecido ( II )

Por baixo da porta dava pra ver a luz acesa
Escutei algum barulho e passos
Destrancou e abriu
Voou em meu pescoço, dando um abraço sufocante
– Que bom que você veio – sussurrou em meu ouvido
– Te avisei que vinha
– Eu sei. Mas que bom que você veio
Puxou-me para dentro e trancou a porta novamente
– O que aconteceu? Perguntei
– Nada
– Tava chorando por quê?
– Por nada
– Ok. Também bebo por nada
Sentamos no sofá da sala, então pude ver um inicio de arranhão na coxa esquerda
– O que é isso? Indaguei
– Nada
– Porra! Vai parar de charadas?
– Não foi nada! Só surtei e me arranhei
Ergui a saia que vestia. As duas coxas marcadas, como uma briga de gatos
– Ei Dóris, você tem que ir devagar com isso
– Por que só não me come com força e cala boca?
– Porque vou abrir uma cerveja
Sentou em meu colo
– Que bom que você veio aqui – repetiu
– E que bom que você veio aqui
Brincou um pouco com meus pelos do peito.
– Ta pensando em que? Perguntou.
– Em nada.
– Me fala.
– Em nada, e você?
– Te amo tanto.
– Claro que ama.
Em outra noite, Dóris se largou a chorar na cama enquanto eu bebia vinho ao seu lado. Deixei chorar e soluçar. Botou a cara no travesseiro, soltando sons abafados de um choro cada vez mais assustador.
– O que deu com o tomate agora? Perguntei sem querer resposta.
– Você não presta! Cala a boca!
– Não presto e me calarei.
Fitou-me com os olhos verdes e vermelhos, o que significava que era linda e louca.
– Eu lembro Ramon, você não lembra mas eu lembro. No bar de sinuca na segunda semana depois que nos conhecemos vi você olhando pra duas mulheres lá dentro, como se fosse um adolescente tarado. Me deixou de lado por elas. Você não presta e nunca vai prestar.
– Olha só Dóris, não lembro disso.
Virou pro lado, chorou mais e dormiu. Aguardei pra ter a certeza que não era fingimento, deixei um restinho de vinho ao lado da cama, peguei meu calçado que pegava um ar fora da janela da sala e me mandei.
Passado mais um mês, decidi sumir de Dóris sem falar nada, fugir e voltar a escrever.
A vida é tão cheia de contrariedades. É como terminar um relacionamento dizendo: “Eu não sei se consigo viver sem você, mas tenho certeza que não vivo com”

Passado envelhecido ( I )

Ela subiu as escadas do bar na plenitude de sua razão
Subi atrás, mas pra pegar uma cerveja antes de sair
Depois de comprar e pagar, mudei de ideia
Decidi dar uma olhada no ambiente
Queria achá-la, forçar um pouco de compaixão e empatia
Pra foder no fim de tudo
Coisa que todo homem num momento da vida se sujeita e se arrepende
Dei uns vinte passos sofridos no meio da multidão
Mesma visão da escada, sensualizava no cangote de outro
Como fazia comigo, em tantas outras noites quentes e minhas
“Esse é o preço, esse é o valor, o nocaute no último round da última luta”
Se dependesse dela eu teria que brigar com todos os homens do bar, ou só com ela
Mas por Deus, eu não era homem o suficiente pra bater em uma mulher bêbada
Muito menos em todos os homens do bar
Desci as escadas para fumar
Sentei no meio-fio
A noite era fria, muitas outras pessoas fumavam por ali
As luzes dos postes iluminavam tudo, todas aquelas cabeças ordinárias
Que nada sabiam da loucura que enraizava por dentro das outras cabeças
O centro da cidade, paredes sufocantes, eu preferia estar no sofá
Tenho em mim que beber é como rezar, só é verdadeiro em casa
Uma moreninha bonitinha saiu do bar
Sentou também e me pediu um cigarro, começamos conversar
Me empolguei com ela
Marisa, era descontraída, de pele muito branca, olhos negros
– Escuta aqui sua moça sem cigarros, que tal irmos lá em casa fumar os meus?
– Meu namorado não iria gostar.
– Por que não pede cigarro pra ele então?
– Ele não fuma.
– Então você é só mais uma das tantas mulheres oportunistas. Eu te forneço algo, você não me fornece nada. É a transação perfeita pra você.
– A cara, vai pro inferno!
Jogou a bituca fora e entrou no bar.
Poderia ficar, tentar qualquer outra bêbada, mas há ocasiões em que só se retirar alivia
E esse momento é tão íntimo como tirar as meias

hiato

um charme
em quarto de vidro
espuma verde
que circunda os jeans
do xará dos diabos, no joelho
incapaz variedade de prever
o xamã no ponto clinico
sirene na colmeia dos abutres
louvo-te hiato
louvo pela capacidade que me tens
de purificar minha demência
de persuadir minha clemência
de extorquir meu saldo de observações
louvo pela simples castidade que propõe
impõe, em baldes de mármore
suave como o título lhe traduz
o silêncio que exterioriza meu sorriso em carne viva
sensato, sensato, sem tato
clamo a ti
a impureza
de um novo impacto
intacto

Girino

Estradas pintadas com fibras de gelo
Escorrendo em tromboses simbióticas
Entre trombetas perpendiculares menores que um grão de amnésia
Uma geração que parece sêmen de neném
Incapaz de cagar pelo menos meio quilo por dia
Naufragados e sedutores
Fomos pegos pelas ancas
E gememos em sincronia
Na batida do diagnóstico atemporal
Pobres criaturas com pingos de giz
Silhuetas sem contorno atravessando corações
Como flechas de aspirina
Perguntaram para um homem:
“O que é sexo oral?”
“De hora em hora”
“E sexo anal?”
“De ano em ano”
O produto, o viaduto, a vida em espera
Data definida
Morrer é mais lucrativo que viver
Agonizar é luxo
Um tiro na cabeça é moda
Uma corda no pescoço é ultraje
Caminhamos como um curupira tonto
Para um fim ou para um começo?
É preciso antes acreditar no homem
Para depois acreditar na política
É preciso desconfiar muito de Deus
Para ir à igreja;
Temo por essa coceira
Invasiva e invisível
Expulsando
Depois congelando
Serei um coito coitado
Um tipo ejaculado na boca do jacaré
Essa coceira, essa coceira
Já me vejo usando guarda-chuva
Em dias de sol
Pior
Já me vejo tendo um guarda-chuva
Perverso
Perverso é o soluço
Que some após estabilizar o ritmo
Soluços e coceira
Perpétuos
Prisões fazem homens chorar
A bebida também
E os crocodilos choram com água na boca
E as mulheres porque soluçam e se coçam
Mais que um bêbado na feira de pulgas
Por isso temo
Essa coceira, essa coceira
Tenho vergões
Preocupo-me
Não quero me tornar um servidor
Que precisa da arte para se redimir
Kafka soube disso
Tornou-se grilo pra respirar
Coço, coço, soluço
Ainda tenho tempo
Ainda….

Dormente

Sou dormente
Em dor e mente
A dor mente
Não mente?!
Meu DNA é um músculo
Na bituca do cigarro
O bem-te-vi morreu amarelo
De cabeça pra baixo
O lagarto tinha papo
Mas correu sozinho
Ela esbravejou:
“Vim dar pra ti, e ao invés disso, me faz amar novamente meu marido?!”
Respondi:
“É o que crianças fazem”
Adormeci
Porque gosto
Acordei porque não gosto
O lagarto não comeu o bem-te-vi
Acho que não gosta
De criaturas mortas
Contei os segundos de uma hora
E molhei os pés
Levaram o varal que tanto não fazia falta
Bob ficou louco e sumiu enterrado no quintal
De tanto fumar a língua engrossou
Vontade, sempre, de morder o cigarro até o fim
Em um tempo eu tive cabelos compridos e barba saliente
Certo dia minha mãe disse que eu parecia Jesus Cristo daquele jeito
Decidi cortar tudo e perguntar à ela com quem parecia agora
Ela respondeu: “Com alguém decente”.
– Já me traiu?
– Isso não é pergunta que se faça segundos antes da morte mulher?
– Dependendo a resposta estamos perto de uma.
– Nunca traí você meu amor.
E ela cravou uma faca no peito dele e sussurrou em seu ouvido:
– É por isso que sangra. Sua fidelidade me enoja.
Contei os segundos de uma hora
E molhei os pés
Antigamente eu tinha a mania de me achar um merda e falar pros outros
Agora não conto pra mais ninguém
Porque eu somado com a vida daria um grande zero
Maior que o rego da gorda Elizabeth, uma viciada em paus moles
Literatura é uma arte complicada porque exige esforço para ser digerida
Ela abriu a carteira e conferiu duas camisinhas velhas. Uma semana depois ela abriu novamente e só tinha uma camisinha velha.
– Ei mulher, alguém roubou uma camisinha minha – ele disse.
– Com a buceta? Ela perguntou e fechou a carteira
Um bom livro precisa de uma boa doença
– Por que eu sempre encontro os melhores homens tarde demais?
– Os melhores homens vivem escondidos.
– E por que eles vivem escondidos?
– Por serem os melhores.
Beber ou trepar? Beber
Beber ou escrever? Beber
Beber ou comer? Beber
Alguma coisa mais importante que beber?
Dormir
Dormir ou trepar? Trepar
Contei os segundos de uma hora
Foi o máximo que consegui

Atroapelamento

– Então amor, vai aceitar o valor?
– Quanto você quer mesmo? Perguntei.
– Tenho outra proposta. Por R$ 800,00 passo a noite inteira contigo.
– Se eu pagasse R$ 800,00 teria que ir trabalhar no meu lugar.
– Onde trabalha? O que você faz?
– Sou padre.
– Então R$ 350,00 por uma hora. Fechamos?
– Nada disso.
– Quanto quer pagar? Assim como as Casas Bahia.
– Se você fosse como as Casas Bahia eu faria cem prestações de R$ 4,00.
– R$ 400,00?! Rs,rs,rs.
– Juros.
– Enrolão. R$ 350,00 vai querer?
– Não.
– Então para de me amolar. Já é a quinta vez que liga. Eu hein!
– Desculpa. Sabe o que o tomate foi fazer no banco?
– Tirar o extrato. Pff.
– Sabe qual o maior osso do corpo humano?
– Qual?
– A melancolia.
– Tchau.


“Cadê? Onde tá o maldito papel?”
Livros, papéis, camisinhas, migalhas
Decolam da gaveta e caem sobre o chão
“Onde eu enfiei o maldito papel?”
Fecha-se a gaveta, abre-se outra
“Acho que eu não colocaria nessa”
Cuecas, meias, luvas quentes
Tudo caindo
Uma naftalina rola na gaveta quase vazia
“Maldição! Devo ter colocado naquela”
A certidão de nascimento, contas pagas, uma carta perfumada
Pousam num movimento circense
No fundo da gaveta, um papel deitado de costas
“Deve ser aquele”
Apanha o papel, vira-o de frente
Escrito: “Carol, Célia e Bebel acompanhantes. Agende seu horário por telefone”
Senta, enche o copo novamente, marcado com uma borda bordô
Vinho tinto, seco de mesa, barato, vem sem rolha
TUTTUTTUTTUTTUTTUTTUTTUT. O telefone chama
“Olá, boa noite”
“Quero uma”
“Ok meu amor, aqui é a Carol, estou de saída mas passarei a ligação para a Célia”
“Ta”
Toma um gole
“Oi meu amor, tudo bem?”
“Célia, você tem um nome de velha, isso é lindo, desde que seja velha”
“Mas não sou velha”
“…Então acho que a insultei”
“Que nada meu amor, quer minha companhia hoje?”
“Quero. Quanto gastarei?”
“Cem reais uma hora, cento e cinquenta com anal”
Pensa um pouco
“Quero uma hora só de cu”
“Não! O anal só vai no pacote completo. Cento e cinquenta reais”
“Só tenho cinquenta. Onde estão as putas baratas?”
“Olha só companheiro, se quer uma puta barata espera a Bebel voltar, ok?”
“Bebel? Bebel quer beber? Bebel quer bilau? Ou Bebel quer um pano de seda pra passar na xana?”
“Você tem algum problema idiota? Bateu a cabeça quando era pequeno?”
“Não. Só estou com medo”


– R$ 30,00 completo.
– Maravilha.
– Siga-me. Vai querer completo?
– Sem ervilha.
– Não sou cachorro-quente, mas, caso queira uma salsicha recomendo a mulher certa.
– Prefiro pizza sem ervilha.
– Com calabresa?
– Você está me fazendo perder a vontade.
– Pensei que estávamos aliviando a tensão.
– Ok. Sabe o que o tomate foi fazer no banco?
– O quê?
– Cachorro-quente.
– É nessa porta, pode entrar primeiro.
– Só mais uma pergunta: “Sabe qual o maior osso do corpo humano?”
– Não sei. Qual é?
– O fêmur.
– Onde fica esse osso?
– Na cabeça.
– Estúpido. Eu sei que o fêmur fica na perna. Acha que sou idiota?
– De jeito nenhum.
– Completo sem ervilha então?!

Falso prognóstico

Minha família veio me visitar ano passado
Aqui, impróprio
Meu hospício particular
Em poucas horas minha mãe lavava a louça
Chorando
Meu pai sentado do lado de fora
No piso, praticamente três dias inteiros
Quieto, estático
Respirando em marcha lenta
Vangloriando o vazio de uma visão vazia
Sem esperança alguma de que as coisas pudessem piorar
E eu, novamente personagem de uma fábula de Freud
Fui pro bar
Quando voltei já dormiam apertados no chão do quarto
Minha mãe parecia um anjo um tanto sem asas
Linda
Meu pai não parecia nada
O ventilador barulhento não vencia o calor de janeiro
Deitei sobre um cobertor no único espaço da cozinha
Senti vergonha até dormir
No sábado fomos à praia
Pouca gente, mar calmo
Dois vendedores de queijo trocando socos
Compramos um pastel cada um
O velho logo entrou na água pra não sair mais
Minha mãe aguentou cinco minutos
Saiu tremendo de frio
Convidei-a para uma caminhada sobre as rochas
A praia, uma necessidade
Quanto a de amamentar gafanhotos
As pedras fediam urina quente e dolorosa
Caminhamos por um bom tempo
Fumei alguns cigarros
Bebi umas latas de cerveja
Eu Mersault, atrás do árabe que vendia churros
Meu pai finalmente decidiu sair da água
Voltamos pra casa
Enquanto minha mãe começava a janta
Meu pai se sentava no piso
Em marcha lenta
Peguei a toalha de banho
Fechei a porta do banheiro e me masturbei

Um dia, quem sabe
Sento ao seu lado no coletivo
Tinha outras poltronas livres
Mas escolho essa
Quero o cheiro do banho matutino
E seu desagrado e desconforto
Baunilha e chocolate
O céu em choque
Quem sabe nunca será dia
Ela resgatará o ex do crack
E engravidará do chefe de polícia
Que colocou seu namorado no seguro
Na cadeia de outra cidade
Desço antes que todos na parada
O jardineiro, boa pessoa
Contorna as fezes duras
Com o cortador de grama
Fazendo uma bela escultura
De um autor sem espécie
Mais tarde irá tentar sacar a grana
Bloqueará o cartão
Pensando que sua senha, era o dia de seu casamento
E na verdade é, mas a data outra
Passo em frente a biblioteca
Fechada
Inúmeras cabeças coloridas aguardam
O ranger da fechadura
A funcionária não sabe ler
Mas decorou o desenho das 48 chaves
Teve uma noite péssima
O personagem favorito morreu na novela
O pianista, que no capítulo anterior
Dedicou sua música
Para o deficiente paraolímpico
A noite não foi péssima por isso
Não dormiu direito
Porque a marmita do outro dia
Aumentaria R$ 0,50
Um dia, quem sabe
Quem sabe um dia
Eu descreva realmente
Como são minhas manhãs
Das 7:53
Até 8:14