Tenho tentado por muito tempo
Empacotar espasmos ao lado da anemia mediterrânea
Hemoglobina, glóbulos, pulso, fraqueza
Algo dentro das veias que pudesse jorrar oxigênio
Orgasmos brancos e vermelhos
Que um pequeno corte na sobrancelha
Fizesse-me cantar o hino nacional
Explodir espinhas, com pedaços de júbilo e pus fertilizando a pele
Pus!
Pulsando em minhas veias
Estou pronto para doar
Cortem-me
Enfiem a agulha com orgulho
Se preferirem gasolina
Só semana que vem
Por enquanto sou leviano
Tão despreocupado
Quanto os bagos do Papa
Eu batizei minha doença
“Complexo de empatia”
Geneticamente incompatível com os genes
Por isso fiquem relaxados
Ocupo seus lugares
Sem saberem facilito suas vidas
Miseráveis que só andam de frente
Andar de costas não quer dizer voltar
Pus
Eu pus
Amarelado
Temperei e fiz gargarejo
Para que possam dormir tranquilos
E desperdiçar mais um dia
Meu
Está pronto o caldo!
Raízes, raízes, diretrizes, atrizes, permissão
Tradições, traições, resgate num avião de papel
Tenho tentado um começo histórico
Daqueles que o fim seja um mero, sagrado e insolúvel erro
Trago comigo a indecência do pecado puro
Mentiram pra mim também
O diabo não é cego, anjos cobram insalubridade
Deus é um gordo bêbado
Velho testamento…Cervantes escreveria melhor
I.N.R.I?!
Insaciável Necrófilo Rindo dos Imortais
Ha-há-há
Minha fé é um jogo de azar
Tenho tentado perdê-la
Tenho tentado perder tanta coisa
Que ganhar é um suspiro de humanidade
Do qual estou acostumado
Música, arte, caprichos, fantasmas, sal, isopor
Gente com pena
Gatos negros reagindo ao colorido dos olhos
As fezes brancas
1,2,3….
Corta!
Esse lúgubre ensaio
Proporcionará uma peça
Os aplausos ou vaias
Que fiquem com vocês
Enquanto me abstenho disso no próximo gole
Autor: Ramon Carlos
Devaneio
Sentado e sozinho
Em um banco de madeira
Ao lado da porta que entro todos os dias ou quase
Para trabalhar
Ouço passos se arrastando por perto
Oito horas da manhã
Nem olho, somente respiro fundo
Na minha cabeça é só mais um
Vai entrar e sumir pelo bem de todos
Mas desta vez os pés tinham voz
Oi. Lembra de mim?
Com muito desgosto pela intromissão eu viro a cabeça
É uma ruiva, ou um protótipo de uma
Não, eu digo
Não lembra de mim? Vou trabalhar aqui
Parabéns
Fui na sua casa há cinco, seis anos atrás
Parabéns
Deve ser porque emagreci 20 quilos e pintei os cabelos
Está ótima
Você continua igual
Dei sorte
Seu nome é Ramon, não é?!
Ainda igual
Mora no mesmo lugar?
Não exatamente
Vai fazer o que hoje a noite?
Sentarei sozinho em algum lugar
Quer companhia?
Não, prefiro que as pessoas desapareçam com o Sol
Posso sentar um minutinho aqui com você?
Claro
Ela sentou cruzando as pernas
Já chupei você
Aé??? Indaguei sem tentar ligar a memória
Ahaaaaaam
Hum….Bem….Obrigado
Não precisa agradecer, foi um prazer
Ótimo
Suas bolas são tão pequeninas, fofinhas
Esse é um grande elogio
Verdade, nunca vi bolas iguais as suas
Estão em extinção
Vou trabalhar de recepcionista
Muito digno
O que você faz aqui?
Ultimamente só fumo e bebo café
Engraçado
Mais que o normal
Aí pelas nove posso te chupar no banheiro
Escutei a porta batendo forte
Saí do transe
Eu continuava falando sozinho
E sentado
Sem intimidade até fora de mim
Plantas sobreviveram no jardim quando chorei
Flores apenas coloriram
E o pássaro com um pé defeituoso
Não quis
Voar
Chamei-o de Absalão duas vezes
“Absalão, Absalão”
Nada, nem sequer um piu
Notei então, que a natureza era um erro
E Absalão significava-me
Sim, um erro
O erro
Da natureza
Enquanto o boldo reluzia verde
Entre pedras brancas
Doadas pelo século
Vendidas por Marte
E a lanterna solar falhava
Nada fazia sentido
Quando colhia manjericão
Para um macarrão
Que sobraria
Mais uma vez
Origem
Crianças felizes proibidas de cantar
Fazem buraco na areia
Em silêncio
Para não despertarem pássaros pedófilos
Mas o buraco é pequeno para entrar
Então elas mijam nas calças por alguns centavos
Elas suam por proteção
E seus amigos guardam segredo
Até que apertem os seios da sua namoradinha
Ela vira de bunda e aceita uma passadinha de mão longa
Corre pra casa
E quem passou a mão fica com a cara de quem inventou a bicicleta
O vizinho é mais velho e faz de tudo pra conhecer a prima
Em troca oferece revistas de mulheres nuas
Então descobre que seu pai tem melhores
Escondidas junto com o revólver
Ninguém sabe o que assusta mais
Apenas descobre-se fraco demais para puxar o gatilho
Mirando nas flores e nos álbuns
Seus brinquedos caem na ratoeira
Felizmente já tinha um rato
E o corpo é uma névoa de inocência
Erupções de água
Na maior putaria imaginada
Cuecas mapeadas
Calcinhas lacradas
Medo deficiente
As portas rangem
E o diabo finalmente aparece
E esclarece
libélula
a libélula de uma cor estranha
batendo asas de olhos fechados
eu falhei em contemplar tanta beleza
mas ela continua
está tão perto
que me espanta pensar em respirar
e espantá-la
não estamos conectados
estamos frios
dançando um tango estático
suas asas aceleradas fazem um som ininterrupto
vupt, vupt, vupt, vupt, vupt
rápida como o laser da animosidade
vácuo vago
chacina empírica
vivemos na velocidade da vida
mas fomos ultrapassados pela morte
respiro fundo e a libélula não se move
nosso quadro sem pintor
cuspiram nosso momento íntimo
ela mantêm-se em equilíbrio com o ar
eu vendi o futuro de três pessoas
vupt, vupt, vupt, vupt, vupt
minimizo os detalhes
agonizo nas possibilidades
demarquei um território inóspito
onde sangue é ingrediente para o alivio
esse inseto rodeia plantas verdes em formato de coração
talvez queira um daquele tamanho
talvez encare aquilo como bundas em pé
vendi o futuro de três pessoas e não ganhei nada
pelo contrário, pago até hoje
minha libélula não sabe disso
desconfia
mas sou tão grato pelos momentos
que me recuso tentar cortar suas asas
então de olhos fechados
nos despedimos
e voamos baixo, unidos
pra lugar nenhum
A ferida
Sob um manto de hóstias
Eu vi o homem
Só de mantras e traços
Imaculando seus trapos
Com um som inóspito
Numa aventura pra Sísifo
80 quilos viela abaixo
Sem subir jamais
O recomeço pode ser um balde ou um travesseiro
Cigarros ou o dízimo
A ficção como uma tragédia trágica e realista
Debalde
O tempo calculado em pingos
O dorso em fuga
Respaldo acumulado
Nas vertigens
Eu vi o homem
O homem não me viu
Eu vi o homem
O homem não me viu
Eu vi o homem
O homem me viu
Eu nunca mais vi o homem
O homem nunca mais me viu
Admirável mudo novo
Como sou tolo ao tentar curar a febre
Esse travesseiro molhado todos os dias
Meu único sinal de misericórdia
Adormecer é um boquete pro diabo
Fatigado, mancha invisível na lápide ausente
Ser ser extinto!
Elevam-se sucintos sussurros endógenos
A cura como sintoma da dor
Abrir as janelas é um perigo somatizado
As velhas garrafas de vinho em L
Colheres imunes, poeiras com digitais
O crime é um sonho deturpado
Mas cá estão as evidências
Torneiras abertas evacuando torneiras fechadas
Admirável mudo novo
Checando traças pelo olho mágico
Na beirada da cama
Água que cai
Dentro de um balde furado sobre a cabeça
É meu famoso ciclo da demência
Sejam bem-vindos
Esse é o sinal
Esse é o sinal
Pato
Pareço um pato cego boiando no centro do oceano
Filhote, com o peito em chamas
Meu bico
Suspendendo um navio cargueiro
Minhas patas impedem uma turbina de avião afundar
Não há sobreviventes
Nunca houve
Mesmo assim ainda tenho reflexo no sol
Não posso ver, mas sinto seu calor
Ele é feio, imagino
Infelizmente o avesso de mim sou eu mesmo
Já é tarde
Eu balanço
Cago e engulo minha merda
Morreria de outra forma
Um pato cego boiando no centro do oceano
E um padeiro derrubando bolinhos recheados
De propósito, no chão, depois recolhendo e colocando pra vender
Afirmando para seu colega “Meu natal é sempre uma merda”
“Por quê?”
“Porque é sempre assim”
E o bolinho recheado acaba em uma mesa farta
Ao lado de um peru gordo de farofa
“Amei esse bolinho recheado”
“Amo esse padeiro”
“Que peru delicioso”
“Agradeça o governo”
“Haha”
“Haha”
Um pato cego boiando no centro do oceano
Carregando cofres lacrados
Chorando na chuva e esvaziando o mar
Péssima ideia é ser poeta
E motoboy
O espírito humano retalhado na infância
Conservado em partes separadas na adolescência
Numa salmoura de sangue seco com odor de compostagem
Concordância atemporal quando se está certo
Heróis construídos pelos próprios medos
Mulheres suando pelo bem dos homens
Cigarros com filtros molhados
Noivos e baratos
Parcimônia de sentimentos
Um pato cego boiando no centro do oceano segurará as pontas
O grande homem atropelado
O grande homem atropelado está sentado ao meio fio
Encontrando qual a ferida mais quente e intocável
Todos aplaudem sem as mãos
Assovios silenciosamente assovios
Por que seria ele o protagonista do mundo?
O grande homem atropelado é relaxado
Cospe liberdade nas algemas dos presos, sem as mãos
Ajudem o grande homem morrer de ternura
É a lacuna dos privilegiados de santidade
O grande homem atropelado quer andar na velocidade errada
E salvar seus castigos para devorar em casa
Com sal e cal
O grande homem atropelado foi transformado em migalhas pra porcos
Grotesco, mais que enfiar o dedo em cu de galinha
Mas o grande homem guarda a luz, sem as mãos
A luz do arco sem íris
Que é toda colorida por um tom neutro de ocasião
O grande homem atropelado não expõe suas fraturas para mor-c(egos)
E ele caminha para o norte do sul
Sabotando a bússola dos sábios, sem as mãos
E por mais atropelamentos propositais
O grande homem atropelado permanecerá no meio fio
Às vezes,
Só pra ver o infinito passar
Um pouco distante do chão
Se os cães falassem, soletrariam “AU” e só
Opa…
Sutil brevidade de um falso santuário de sacrifícios
Foi onde embalsamei 1,1 kg
Não é uma tumba, nem memorial
Chamo de retiro
Protejo esse lugar
Fortalece-me o cheiro e a sujeira
Algo como trair Barrabás com um beijo de língua
Ou abortar por cesariana
Esse falso santuário de sacrifícios
Difícil decidir se prefiro acordar com meias
Ou dormir sem sentir os pés
Como se toda a ingenuidade fosse capaz de revelar um altruísmo devastador
As pipas continuam bailando
Os colchões mantêm-se em pé
As crateras seguem soterrando
Um doido confessou-me que a frase preferida dele era “Parabéns amigo, você conseguiu!”
Foi esse seu epitáfio
Morreu atropelado
E pasmem, ele quem dirigia o caminhão
Sim, sim, sim…porventura
O eterno falso santuário de sacrifícios
Como a anatomia nos prega peças
Hematomas, suor, lágrimas, cães, gatos e ratos sem cabeça
Flores vermelhas com cheiro de porra
Pizza com oito pedaços escrevendo um bilhete
Orelhas furadas sem convite
Na Grécia os deuses usam sapatos, mas não pagam multas
Vizinhas gemem em pó
O sangue sem rastro, uma prova nula
Por conta disso tudo
Embalsamei 1,1 kg
Em meu falso santuário de sacrifícios
Para não me beneficiar
Opa…
Desculpe-me, não sabia que era sua vez
