Saudades do futuro que passou
Deixando nada mais que o passado presente
Confinando erros expulso nostalgia
Nostalgia que há por vir ontem
O dia de hoje é um dia atrasado de amanhã
O tempo me persegue três voltas à frente
Horas mentem
Minutos complicam
Segundos bastam
Meses atrás estarei lá
Ano que vem perdi sabe-se lá quando
Séculos vendidos como macarrão instantâneo
Julho não viu o verão
Júlio bronzeou-se no inverno
Judite quer um calendário A.C
Jezuz prefere feriados D.C
Francisco deseja um Chevette
E o ponteiro do porteiro quebrou
Onde estarão eu’s a partir de nunca?
Autor: Ramon Carlos
Pai
no final das contas sou igual meu pai
percebendo que o exemplo antigo não bastou
provas e mais provas
o sofrimento é sempre transmitido, compartilhado por nós
nos olhos de meu pai eu vejo o nocaute
aborrecer para ser aborrecido
mesmo em mundos distantes, nos encontramos
seu eu foi mais forte que o meu
e do seu pai, maior que os nossos
e hoje eu percebo que você vive pela dor
meu mundo não é pior que o seu, como eu pensei
e eu também teria que confessar os mesmos pecados que os seus
mas seria pra outra pessoa
alguém que você nunca conhecerá
uma relação parecida com a nossa
desperdiçamos grande parte do tempo com o medo e os vícios urbanos
eu julguei quando podia julgar, um fardo que carregamos
transitamos pelo mesmo labirinto, mas você tem anos a mais nele
você sequer conhece alguns caminhos, mas não se perdeu sozinho
e iremos vagar no mesmo ritmo, nos mesmos passos
enquanto nossa pista for a mesma
Derrame
Bolicas com olho de gato
Centralizadas até o estouro
Correria, a linha intransponível
O abacateiro e as calças justas
A luta dos que podiam e gritavam
Céu da boca anil
Limo verde e escorregadio
Todos caíam
Uma única vez
Depois ria-se, e o piloto morria
Canos estouravam
E a vizinha corria
Bolas em chamas nos cantos das pedras
Arrotos em ziguezague
Passível pra grama crescer
Impossível pra cortá-la
Quando cresce sem campainha
Os lençóis vermelhos
Escondendo a gordura do xaxim
Capazes de ouvir seguidamente:
Só porque estrago sua vida acha justo estragar a minha?
Cal no rodapé
Parceiro em forma de concha
Brigas com cacos na sala
Cupins alugados que voavam
Exames de sangue favoráveis
Pingos na borda do pinico
Com um rancor desajustado
Isqueiro sem gás
Bebida quente
Loiras menstruando nas piscinas
Fogos de artifício escondendo o mendigo
Barracas em fila única
Céu da boca anil
Um sopro engolido
Armadilha
Minha carne sob um pretexto alcalino
Que mastigando parece pólvora
Chupando parece escárnio
Apalpada parece algodão
Cheirar-me é mania de viúva
Pertenço aos homens que fedem
Por suar mal passado
Sem alecrim
Inoportuno como a calvície jovial
Contrario a pirataria de corpos
Me torno gente
E escasso
Extinto
Além de tudo, impróprio
Fugaz
Libertino sem culpa, nem ordem
Sagaz num tormento de alma
Incluído ao erro de corpo
Nos pulos da pulga
Cada vez isso transgride
Um passo a mais
Baralho
A culpa talvez seja minha
Tenho o mundo preso nas bolas
Tenho três e mesmo assim falo fino
Eu queria querer algo melhor
Em um sonho míope
Cansei de assassinar assassinos com bolhas
E meus pés ainda cabem em tochas de neve
Feitas pra mim
Se fossemos justos
Caberíamos nas solas dos sapatos
Se fossemos justos
Cederíamos a virilha pro jacaré cheirar
Assim como a urina escura caindo dos olhos
Lentamente, em curvas
Sobre corpos retos
Cintilando
Dobráveis
Descartáveis
Remédio sobre o isopor
Que desaparece no menor assovio
Começado
amor amordaçado
fé febril
destino desativado
embriões embriagados
prefixos inexistentes em riste num fino final
ler ao contrário, desejo desfavorável
minha mente mente mediante medidas, medo
Um coma comedido de comédia
corpo corporativo
Alegrias e aleluias
Améns amenizam frutíferas frustrações
Carrego caroços carnívoros
Cordialmente, cor de cortina
imagino imaculados imãs
miséria mista
jogos, jogos, perde-se perpetuamente
castigo casto
Abrangente, abre o abrigo
suor, suor, suíno
divino dividendo
calabouço calado
prefixos inexistentes em riste num fino final
ler ao contrário, desejo desgastante
pérolas, perfeitas perdições
sonho sonâmbulo, soneto sonegado
martírio marginal, marchas, marcas, margarina, margaridas
cedemos cedo
sedativos sedosos, brilhantes brindes
calma, calma, calvície? calmantes!
operários operados
circo, cirrose, ciranda, circuito
objeto, obséquio observado
gás, gastrite, gastado, gastronomia
tensas tentações
sêmen semeado sem semblante
porra, por que?
mercadoria merda, merecemos
prefixos inexistentes em riste num fino final
ler ao contrário, desperdício desimpedido
precariedades prestativas
amolecer amianto, adoecer adoções
alternar altruísmo
calar calvário
colorir colírios
escrever este estrofe
como combinado
De repente
Você mata a vizinha
Após ler Noites Brancas
Ou apenas segue-a
Atrás dos postes
De repente
Você se equilibra sobre o cordão umbilical
Num malabarismo de façanhas
E mesmo com as pernas tenras
Fique firme
De repente
As flores e os amendoins vingam
E os pingos da chuva fria
Embelezam ainda mais suas folhas
Não é o cultivo, e sim a graça
Você se ajoelha para ver de mais perto
E mesmo com os pingos da chuva escorrendo na testa
Sua natureza não se compara a deles
De repente
É possível ouvir um gato todos os dias
Como se seus pelos fossem arrancados um por um
E os gritos são tão altos
Que levanta-se, vai até a janela
Nada vê, absorve aquilo, abre a geladeira indignado
Diz pra si mesmo: “Dois pés, um cu e ladeira abaixo”
De repente
Abra mais uma cerveja
Sinta um cheiro estranho no travesseiro
Percebe que foi roubado na farmácia
Orgulha-se por saber temperar tomate
Mais um furo no colchão!
De repente
Os livros fechados concordem
As pipetas façam algum sentido
Quatro paredes é pouco
Azeitonas recheadas?!
Pensa que crianças se dariam melhor na caverna de Platão
De repente
Dormir é o cheiro da morte!
Sexo é vida em quadrinhos!
Parar em ponto morto, bíblico!
Salvação!
Bactérias, fungos, sangue quente!
De repente
Somente de repente
Seja mais fácil ser passageiro
Sem lembranças
Sem rastros
Vão
Um vão de sobriedade insiste em ejacular-me
Não consigo ser simples com a hipótese da simplicidade
Preciso roer essa tal de insensatez contínua
Que domina os miúdos mais moídos que a imaginação fornece
Possuído pela cólera dos ruídos irrisórios
Pirei em vão em um vão
Não, não, não
Queixar-me é um charme da ilusão
Estou parido e sem freios
Invocando o fim em parcelas de tudo e nada
Sou eu quem paga, ou não paga
Me cobrem!
Me cobrem de névoa e rostos enlatados
Eu cubro e cobro a aposta perdida
Já me vejo amarelo e sem gosto
Como o ouro
Ou uma embalagem de sardinha
Raso igualmente tal qual a sombra da minhoca no rastro de Plutão
Extremidades de um ovo
Tudo em vão
Tudo é um vão
Mas o vão não é tudo
Nem é o nada
O vão é simplesmente o vão
E todos vão pro vão
No mesmo vagão
Em trilhos diferentes
Sempre peço e nunca desejo
Extremos
De um ser que não é
Ouvindo trovões da rua dos espíritos duvidosos
E imaginando o som apagado do gato no telhado
Desnuda alcova
Estalos no teto, riscos no chão
Fulgores
Espetáculo em cápsulas
Pegadas nas cinzas do cigarro
O terceiro gole, o quarto ato
Vias em vórtex, a cortina nem balança
Aqui dentro, aqui dentro
O eclipse é um trono no céu
Desnuda alcova
Onde centopéias de olhos azuis
Brotam pelo reboco da pedra ao lado
E a fornalha de linho branco
Esconde em chamas, a entrada de emergência
Ficar longe não é estar longe
Mas o tempo sempre nos fez estragar um pouco
O brilhantismo diminui na fonte, que por horas está cheia, por horas seca
O abastecimento, enquanto for dependente, é mórbido, coisa de vagabundo
Mas aí você está sozinho até o gargalo, e não reclama disso
Decide falar apenas por sinais, e ninguém entende, suas linguagens são outras, previsíveis
E eles seguem, orando por dinheiro e fodas
Colecionando um passado de hambúrgueres, parafusos, dentes postiços
Crimes, almas gêmeas, casamentos e a porra do Papa
E eu agindo como um cachorro de rua bêbado
Comendo o que tem, bebendo tudo que consigo e dormindo sempre que possível
Mas dificilmente é possível, o instinto aflora nas ameaças e oportunidades
Penso na insônia
Meu único prazer mantido por anos foi mastigado
Tento culpar o barulho dos vizinhos, suas gargalhadas
Suas caminhadas em horários suspeitos dentro das suas casas
Meu ventilador, as baratas, os ratos, a fome, a fama de um gambá no lixo
O gás aberto, as britas, a chuva, os portões escancarados, o tesão, a dor
Os mandamentos, as frieiras, as freiras, o chulé, a parede alaranjada, a peça pequena
A falta de uma televisão, a falta da leitura, os tênis novos, o colchão no chão
Meu corpo no chão, pálido, imóvel, lúcido, o silêncio das covas, a ânsia esgotada
A poucos metros ouço o ronco dos doadores de pipoca
Tão sobreviventes como tumores malignos
É isso, minha vida é um luto, por tudo que não perdi
Carta ao suicídio
Caro confidente
Escrevo-lhe a partir daquela cautela exacerbada citada na última carta
Embora pareça que não pensei em você nos últimos meses
Ressalto, com minhas mais sinceras palavras
Que nunca estivemos em maior sintonia
Deixe-me contar algumas novidades
Antes que eu esqueça, sim, ainda sofro com sorrisos
No último contato não fui bem claro, até porque, imaginei-o também rindo da situação
Senti-me coagido pelo nível três, seu vizinho de porta
Mas quero esclarecer tais notas, antes das novidades
Pode não acreditar, porém, as mulheres têm sido ainda mais demonstrativas
Lembra daquela lésbica com fones nos ouvidos de quem falei?
Pois é, nunca mais a vi, e mesmo assim sua boca suspeita e aberta ainda me confronta
Sei que parece loucura não esquecer aquele riso
Mas permita-me salientar uma coisa
Foi na minha cara!
Por seis segundos
Sem contato visual, entretanto, o que mudaria?
Nada! Ela me deve explicações
Blá, blá, blá pra você também
Amigo, as mulheres estão me mostrando os dentes diariamente
Sei, sei, sei que tudo isso lhe parece estúpido
Não, não estão flertando, eu conheço um flerte
Esse conluio feminino me pegou desprevenido
Uma gordinha pálida e sem escrúpulos faz parte
E quer saber o pior, a vejo quase todas as manhãs
Imagino que trabalha aqui perto
É uma tortura, nunca mais olhei-a nos olhos
Ela me assusta
Pra finalizar esse assunto de mulheres
Rosana acha que sou assassino
Rosana trabalha no mesmo prédio que eu
Nunca falei com ela
Mas notei que deixou de ir ao banheiro quando bebo água
Como posso não ter razão? O bebedouro fica ao lado da porta!
Laura do supermercado me deu “Bom dia” com a voz baixa e depois riu brevemente
Percebi a maldade correndo pelas artérias dos olhos
Ahhh, mas nada comparado ao que Lúcia do mesmo supermercado fez
Perguntou-me se eu não gostaria de ter um cartão fidelidade para adquirir descontos!!
Impressionante não?!
Chega de mulheres, vamos às novidades
Fui estuprado enquanto dormia
Ora, não percebi porque estava bêbado!
Quatro vezes!!
Claro que não lembro, mas acordei em casa todas as vezes
Em três ocasiões não sei quem foi, na última foi um amigo
Que amigo ahn?
Não tenho provas, nas três primeiras vezes tenho certeza que foi alguém com uma cópia da chave da casa, o antigo morador quem sabe?
Fui ver o preço de uma fechadura nova, mas decidi que pegaria o cara
Então montei uma armadilha na porta com duas garrafas de vinho e um banco
Fazem seis meses que aguardo o desgraçado tentar abrir a porta
Não preciso de provas! Afinal acordei sem cueca nas três vezes!
Na primeira vez estava no banheiro ao lado do papel higiênico
Na segunda sobre a pia da cozinha, e na terceira no lixo
Maldito doente!!
Meu amigo ao menos teve a decência de me vestir depois
Mais novidades?
Estão atirando pedras na minha sacada
Não falei pra ninguém, mas acho que isso tem a ver com os estupros
Assim como um pedaço de guardanapo que encontrei dentro do tênis
Quer mais provas que isso?
Tem sim!
Na última vez que peguei o ônibus um homem estranho disse me conhecer do trabalho
Jesus, era o antigo morador!
Estive tão perto dele, não sei como consegui perdê-lo
Não fui mais de ônibus trabalhar
Fiquei com medo de adquirir a síndrome de Estocolmo
Mas estou de olho
Bom, no mais, minha mulher me deixou por achar que bebo demais
Disse que crio teorias demasiadamente
Só porque tenho um histórico familiar de alcoolismo e hipocondria
Pode isso?
Queria que eu acreditasse em Deus e em todas suas baboseiras
Não sou tão ingênuo
Minha saúde continua a mesma, um câncer por dia, uma cura por dia
Analisei um catarro preto meu por vinte minutos
Nada de sangue!
Estou ótimo! Concorda?
Desculpe a demora, andei ocupado
Espero lhe encontrar o mais breve possível
Será um dia especial
