Sonhando
Em ser cavalo
Apostou
No hipódromo
Autor: Ramon Carlos
Haicão chamado “Ai cão”
Por mais de três horas
Ouvindo latidos ininterruptos
Nesse quarto escuro
Que cega minha janela
Creio que todo esse alarde
Só acabará, quando eu repetir a frase
Usada em outra ocasião
Mais umas quatro ou cinco vezes
Em mais uns quatro ou cinco poemas
Então lá vai, minha primeira tentativa
De trato comigo
“Se os cães falassem, soletrariam “AU” e só”
Ai de mim pequena!
Isso é o que dá
Colocar pulga
Em cachorro magro
O rei da bosta
Em um trono
No chão batido
Delirando e desorientado
Com a língua de fora
Espera nevar por alguns segundos
Enquanto isso não ocorre
Em tempos livres
Desenrola suas páginas
Uma por uma, lentamente
Até restar apenas
Papel higiênico
Poeira
E um assovio
Que cruza seu olhar
E segue seu caminho
O pequeno pônei ( IV )
Sonhando
Em ser cavalo
Pediu
Um bife
Poema para o fim do imundo
Sem ter o que comer
Amola uma faca
Sem ter o que beber
Lambe um copo
Sem conseguir gritar
Cospe no chão
Sem ter compaixão
Compra uma gaiola
Sem ter esperança
Pendura um calendário
Sem ter dívidas
Quebra um cofre
Sem ter ambição
Joga no bicho
Desprovido de estilo
Leva o cachorro passear
Desprovido de amor
Canta no chuveiro
Sem ter doença
Esteriliza a caixa d’água
Sem ter luz
Sequestra um vaga-lume
Sem ter fé
Escreve poemas
É Diógenes,
Enquanto você perambulou com uma lamparina
Depenou um galináceo
E pediu esmola para uma estátua
O homem refinou suas escolhas
O pequeno pônei II
Sonhando
Em ser cavalo
Comprou
Um rei
O pequeno pônei
Sonhando
Em ser cavalo
Comprou
Uma escada
Haicão III
Gorjeando submerso na lava
Emergindo numa cápsula transcendental
E pairando em ponto morto
Passando assando
Com brasas no distintivo
Maquiabéblico
Entranhas para metamorfoses em tranhas
Ai de mim pequena!
A ribalta pegou fogo
E não posso correr
Sem antes
Queimar
Meu figurino
Haicão II
Uivando numa grota
Voando sem pelo
E caindo feito um arranjo
Indo rindo
Com piadas na coleira
Ar de anjo
Enterrando borboletas no útero
Ai de mim pequena!
O acordo acordou
A corda, a corda, acorda
Viu meu nó vil?
Viu meu nó,
Viu?!
Arkhé
Formas em fôrmas, reformas
Encurralados, não como o lobo –
Soberbo, mostra os dentes
Numa posição plástica e avassaladora –
Mas como as galinhas
Que mesmo em seu maior desespero
Ainda tentam encontrar uma fuga
Ramon, já te disse, a merda sempre procura o cu
Verdade, verdade
Atritos em novelos de sangue
Salmo 40! Salmo 40! Ah! Ah!
Quase todo dia, indo trabalhar
Passo por um homem que tem um olho de vidro
Às vezes com tapa olho, às vezes olho e vidro
Quando encontro-o
Miro em seu olho olho com meus dois
Mas os movimentos dele são muito rápidos
Um olho que vale por dez
Acabo continuando meu trajeto
Pensando em Édipo
Se só tivesse matado o pai e não casado com a mãe
Se só tivesse casado com a mãe e não matado o pai
Arrancaria somente um olho?
Se sim, teria se tornado o patrono dos piratas?
Poderia crer ser o ato obra do acaso
E manter as órbitas na cabeça?
Empresta dois reais
Empresta cinco reais
O que bebeu ontem?
Arquétipo
Borbulha uma figura na retina
A sorte é um azar do azar
Reza a lenda
Que perdeu o olho
Numa partida de bilhar