retrato de uma molécula desenrolando

eu estava no Irã em abril de noventa e nove
quando depois de cheirar as cinzas de um poderoso
xamã – já falecido?
– “SAMAN” – rosnou o siberiano com frio
– “SRAMANA” – tive que rosnar de volta
perdido vislumbrei

em um campo arado qualquer no meio da noite
eu estava tão alterado que por momentos acreditei
que estava em casa
aqui mesmo no Brasil, na casa verde
sim, sim.. mas então algo aconteceu
algo que não poderia estar acontecendo
no Brasil – nenhum incentivo para o que importa
verdadeiramente
uma fêmea, com cara de bicho manso
apareceu em meu caminho
uma fêmea muito estranha
tão estranha que não deu pra evitar e olhar
sem piscar, nem disfarçar
então acredito que ela percebeu
CAPAZ, a situação:

“bebo leite que já vem com remédio”

foi a primeira coisa que me disse
depois entre esquerdas e direitas
gás hélio de um lado e células alvo do outro
ela acabou aceitando uma cerveja
sem álcool

“gostei dos seus brincos de plástico”

comentei na tentativa de mudar de assunto

“eles colocaram com um mossador
não tem graça alguma”

“ok! Ok! OK!”

eu já estava na décima segunda cerveja
com álcool, que demorei a perceber suas óbvias
limitações

“espere um pouco,
então você coloca essa tripa celular
nesse caldo de sais
e desse mingau de porra
você tira
proteínas?”

questionei perplexo
antes de deixar Polly falando sozinha
e seguir adiante com minhas piruetas
no vácuo


eu não preciso de porra nenhuma
muito menos de porra alterada – pensei comigo
enquanto arrotava alto em sua direção

gentleman

chegou sem calcinha
somente uma saia preta
até o começo da bunda
a parte de cima comportava
uma blusa cinza e cordões indígenas
lhe deu uma bala para amenizar
o bafo dos filtros vermelhos
ela não fumava porque gostava
do sabor natural da sua língua
queria isso dele também
degustar no máximo aftas
da carne de porco
mas com ele, nada era natural
inclusive o sexo sem calcinha
e o papel da bala de menta
a música torturava o compositor
o cheiro de chulé misturava-se
com o das toalhas molhadas
e um bom ar de hortelã
ele pediu desculpas pela barba mal feita
engasgou-se com a bala
foi vomitar vinho
ela agradeceu pelas cartas
alcançou-lhe uma toalha molhada
e foi embora
um mês depois
ela bateu na porta
e ele sorriu

quebra-esquinas

você percebe
que tá fodido, digo
ficou sem bebidas
e não tem se quer
carteira de motorista
muito menos um carro
sendo sincero
só um sapato furado
e a chuva, a chuva
que te fode essa noite
direto na bunda
ainda assim
você cria coragem
e parte
em busca da salvação
e assim que consegue
feliz vem voltando
com duas garrafas
de vinho e uma
de RUM, além de
algumas cervejas
e você está realizado
na rua todo molhado
fechando os olhos
e se imaginando
o dono do mundo
e ninguém está ali
pra te lembrar
do quanto você
é um fodido
e por isso você é
o dono do mundo
ao menos naquele
momento com aquelas
garrafas carregadas
você goza na chuva
goza na alegria da vizinha
goza no telhado da bodega
goza na orelha da morcega
goza no cuzinho
da atrevida
da vida
e você goza
e goza e goza
e quando chega em casa
já não tem garrafas
nem alegria
e muito menos
PORRA!
e sua mulher
bom, acontece que
sua mulher
ela quer
PORRA!
e assim o pau come
mesmo que sem fome

Para Ramon Carlos

Línguas ásperas
De vidro,
Nas etiquetas das sombras virgens por fora
Ilusões são notas musicais caindo dos berços
Pentelho pro gato
Adormece na pólvora dos rins
Em greve, em breve, em verve
Entorpecido em camadas de tecido austero     
Embebido no flagelo das pétalas de gelo
Voa o canto direto pro sino
Soa como sombras atropeladas
Deleite! Leite amamentado mentado
Fermentado
Improvisado
Visado e avisado
Os cacos de vidro das línguas
Calíngulas
O poeta morreu enforcado
Nas vírgulas