Altar

“Eu sou o falso poeta que tanto os verdadeiros poetas alertaram para evitar”
Dizendo isso, logo emborcou um copo de cerveja e concluiu:
“Ramon, não adianta, quando a vaca tosse, eles já têm o lenço”
Tentei animá-lo, mas torceu o pescoço e se foi
Lembro dele depois desses anos, ao tentar escrever
Algumas páginas para os Perkins, Martins,
Polidores de Carver, amaciantes de bruxos, assassinos de Toole
Ele, hoje é gerente de hotel
Tem uma filha morando na Europa
Um filho fazendo medicina na federal
E eu sou o falso poeta que tanto os verdadeiros poetas alertaram para evitar
Mais recusado que aceito na maioria das revistas
Contando com o ovo no cu da galinha morta
Por uma seita de amarração para o amor
Ligou pedindo para levar meu currículo até o hotel
“Ramon, não morra sem conseguir comprar um carro”
Torci o pescoço e desliguei
Depois de alguns litros liguei para o hotel
“Quero falar com o gerente”
Passou uns segundos até ouvir o tom camuflado da sua voz
“Posso lhe fazer uma pergunta?”
“Claro” ele disse
“Se lhe dessem como último pedido na vida escolher uma música para ouvir, pediria a mais longa ou a que mais gosta?”
“Ein?”
Desliguei de novo

“estrAbismo” não é apenas uma compilação de escritos dos autores Eduard Traste e Ramon Carlos, é um conceito. Como o nome sugere, são visões distorcidas, olhares próprios, impróprios e às vezes gritos do Abismo. Através de poemas viscerais, caóticos, cômicos, pornográficos, estrábicos, como quer que seja, os autores, já publicados em revistas como: Alagunas, Literalivre, Subversa, Inutensílio, Philos e Escambau, discorrem sobre qualquer coisa, desde que o resultado sintonize na frequência pulsante de versos vivos. MR. OCULUS paira com sua elegância sobre a deselegância, com sua justiça sobre a injustiça, com seu tato nas mesquinharias espalhafatosas que corroem a nobreza de um louco

O mundo como livro e cada pessoa uma página. Algumas são difíceis entendermos, outras pulamos, e por fim há as que queremos ler e ler e ler por muito tempo. Páginas rasgadas e caídas, esquecidas, ficam por um tempo sem serem notadas, incompletam o livro, incompletam um parágrafo seguinte, mas elas estão por aí, fazendo suas próprias histórias de uma página só. Eu caberia em uma frase mal escrita por mim, sem pontuação, apenas palavras corridas, imergindo, como um cinzeiro repleto de desculpas, como as fotos do dia anterior, como uma linha delirante e tênue, cicatrizado, paralelamente à minha leitura do livro, do mundo, de você. Letras queimadas, aqui vamos nós, para essa doença sem fins lucrativos.

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