Valter abriu a porta bruscamente, com um revólver em punho, e viu Salete sentada em um canto da cama, só de calcinha e sutiã, fumando um cigarro, com as pernas cruzadas.
– Hoje eu pego ele, sua puta! Esbravejou Valter entrando no quarto.
– Do que você tá falando, seu animal?
– Fica quieta!
Ele deu uma olhada por todo quarto, e foi se aproximando da cama calmamente. Procurou alguma marca marrom, vermelha ou gosmenta nos lençóis brancos amassados, deu uma cheirada, mas o odor era tranquilamente agradável, vestígios latentes. Ela continuava tragando, com a paciência dos lagartos no inverno.
– Não foi na cama né sua piranha! Onde vocês treparam?
– Vai te foder!
Valter analisava o ambiente, mas não encontrava nada suspeito. O quarto era enorme, talvez eles tivessem fodido em pé, sem encostar em nada, resvalou os olhos pro chão, como quem procura moedas, mas nada, nem marcas, nem pegadas, nem um mínimo fluído, somente uma formiga atordoada e medrosa.
– Você é uma maldita puta com poderes de perícia forense!
– Seu canalha desprezível!
Sobre a penteadeira, algo lhe chamou atenção. Um batom rosa pálido, a mesma cor de um cu de gato, caído, somente ele, ao redor de outros tantos perfumes e cremes. Aproximou-se e o filme todo fixou em sua cabeça pesada e um tanto alta. Pensava: “Foi aqui, no meu móvel cor marfim, ela se firmou com as mãos, ele veio por trás e enterrou nela. As tetas balançaram, a penteadeira balançou, o batom e o quarto balançaram, as nuvens espetadas por mim. Filhos da puta!”
– FOI AQUI!! Gritou ele.
– Foi aí o que? Seu maluco.
– Não sou maluco! Sou chifrudo!
– Sim. Há dez anos você é chifrudo, né? Há dez anos você entra nesse quarto, com essa mesma arma, e nunca acha nada, não é?
– Você zomba de mim! Cretina!
– Por que você não vem aqui e cheira minha buceta então?
– E desde quando buceta tem outro cheiro? Sua fodida!!
– Eu te amo Valter! Há dez anos eu aguento essa tua maluquice porque te amo! Senta aqui do meu lado.
Ele se senta, e desce as molas daquela confortável cama de casal.
– Você me ama Salete?
– É claro seu bobo.
– Eu também te amo Salete, veja, nem carregada está essa arma.
Nesse instante as portas de um armário se abrem, se arregaçam, e um homem negro oportunista pula de dentro com as roupas nas mãos, dando inicio a um pique velocista em direção à porta do quarto, para, em sua cabeça, alcançar a porta da cozinha, pular um muro de dois metros, e correr nu por uns trinta minutos até sua casa, e nunca mais arriscaria comer ninguém, quem sabe até viraria padre, ajudaria os necessitados com todo seu dinheiro guardado, largaria sua profissão entediante, seria uma boa alma, ligaria pra mãe, iria até o tumulo de seu pai, deixaria rosas e sorrisos arrependidos. Os órfãos! Claro! Se tudo desse certo, a partir daquele dia, um novo santo seria canonizado por entre as terras marginais.
POW POW. Dois tiros nas costas. Planos encerrados.
HAHAHAHAHAHAHAHA gargalhavam os dois na cama.
– Eu falei que ele ia cair nessa!!!
– Porra Valter! Tu é o melhor ator do mundo!
Riam tanto que tiveram que deitar na cama e secar as lágrimas com os lençóis lívidos resplandecentes.
– Viu a carinha dele Salete?
– Coitadinho. Depois de trepar por meia hora, ainda tinha fôlego pra correr uma maratona.
HAHAHAHAHA
– Valter, nossas dramatizações estão ficando cada vez melhores!
– É tão engraçado ver um pinguinho de esperança quando se sabe que não tem.
– Eu gosto de trepar, você de matar se divertindo. Hoje pensei que não viria mais! A verdade é que ele era muito bom de pica. Só por hoje queria que você demorasse mais uma meia hora. Por Deus, quase desisti de matá-lo.
– Sempre matarei os que comem minha irmãzinha.
– Você me comeu.
– Mas não me diverti. A diversão é a porra dos loucos.
Um quarto perfumado e adocicado pelas tramas sexuais e viscerais, cativante entre ambos, acostumados àquele mar azedo e fabuloso de mantras sórdidos. O sangue quente deslizava do corpo frio e duro como um cofre, derramando mais uma lata de vermelho tinto. Simples assim para Salete, uma ruiva envenenada, traumatizada com um mundo tão paralelo ao seu. Desde sempre fora aniquilada, e agora usava de todo seu corpo robusto para satisfazer seus instintos ferinos e mordazes. Fazia uma bela dupla com seu irmão Valter, um ladrão e assassino de primeira, extremamente eficaz, só sabia fazer isso, e no mais, apenas se orgulhava por soltar peidos bonitos, elegantes, sonetos de lua cheia.
Levantaram-se da cama.
– Quem era esse maninha?
– Um dos grandes do banco.
– Opa. Deve estar recheado.
– Tomara.
Valter deu uns passos para tentar chegar à carteira do defunto sem se sujar, pisando aos poucos. Salete olhava, brilho nos olhos, abertos como um sinal verde. A formiga transitava freneticamente, já tinha visto uns cinco mortos por ali naquela semana, com glicoses altas e baixas, sentia vontade de nadar e nadar, morrer afogada num oceano doce e diabético.
– Que sujeira dos infernos, acho que acertou o coração desse cara.
– Existe algum livro afirmando que os negros tem mais sangue que os outros?
– Não, só pau.
– Ainda bem que morreu de costas. Achei a carteira!
Foram os dois de volta pra cama, sentaram e abriram o zíper do couro, como quem abre as pernas de uma virgem.
– Estamos ricos Salete! Tem mais de mil reais aqui!
– O filho da puta me mentiu o nome! Olha só, me disse que era Paulo Henrique, e se chama Eusébio. O desgraçado acabou com minha fantasia!
– Relaxa mana. Olha só quanto dinheiro!
– Pro inferno.
Salete tornou a pegar a arma e disparou mais quatro tiros no corpo parado. Um em cada nádega, e os outros na cabeça. A formiga saiu correndo. “Que se foda todo o açúcar do mundo”.
– Sua psicótica de araque.
– Vamos cortar ele em pedaços logo. Não gosto mais dele.
– Mil e trezentos reais! Aleluia! Aquele frentista de ontem tinha só cinquenta reais.
– Pelo menos o frentista não mentiu pra mim.
Ela largou a arma e espichou suas lindas pernas lisas e congruentes na cama, sentiu-se traída por aquele negro bom de piça. Toda a cena que fez, a insinuação de uma fêmea num cio ávido, o rebolado astucioso, o perfume nas tetas, tudo um erro, ninguém podia mentir pra ela. Não assim, Paulo Henrique por Eusébio era trágico demais pra sua cabeça.
Valter separava as notas com grunhidos, via, doravante, o assassinato como uma profissão e lazer.
– Escuta esse Salete!
PRRRRRRRRRrrrrrr…Um peido afinado e estável. Melodia capaz de ser inserida em uma sinfonia de Mozart ou atravessar Óperas inteiras e arrancar aplausos.
– Bonitinho esse Valter.
– Sou um artista de intestino. Devo isso às pontes de safena que carrego no bucho.
– Eu sei, eu sei. Vamos cortar logo esse negro!
Todo esquartejamento era feito no banheiro, com um serrote roubado do jardineiro, a primeira vítima. Rendeu somente dez reais e o cara tinha os ossos duros como um pistão de trator. Esse jardineiro foi estudado pelos dois. O viam passar, dia sim, dia não, com sua bolsa de ferramentas, sempre olhando pra baixo ou para as placas de transito. Escolheram uma quarta-feira, um tempo nublado e mal cheiroso. Salete vestia um vestido justíssimo, saiu pela porta e chamou:
– Hei jardineiro!
O homem meteu os olhos nela, já pensou na sua ferramenta, na sua mulher feia e gorda, nos seus filhos que ele abandonaria no primeiro furacão, em toda sua vida cortando árvores e jogando esterco em flores.
– Diga moça.
– To precisando podar umas árvores aqui atrás da minha casa. A gente pode marcar um horário?
– Deu sorte senhorita, posso fazer isso agora!
– Ai que bom! Pode entrar, o portão está aberto.
Ao entrar pela porta da cozinha, já viu Salete nuazinha, com uma rosa nas mãos. E como a cabeça de um homem para de funcionar num momento desses, ele achou perfeitamente normal aquela situação, afinal, ele era um jardineiro forte, desejado por no mínimo dez mulheres, que tinham timidez demais para se entregarem à ele, mas um dia, uma iria se render ao seu cheiro de adubo nas mãos, e se jogar de cu e tudo sobre ele.
Salete dirigiu o homem até o quarto e fodeu por uns oito minutos, foi o máximo que conseguiu dele. Valter também não esperava tamanha fragilidade do homem. Ele iria chegar na casa depois de uns vinte minutos, o que segundo Salete, saciaria suas vontades.
– Vamos falar de negócios agora meu amor? Vamos lá ver as árvores?
– Eu quero mais sexo! Tu acha que da um jeito nesse galho caído? Mister jardineiro.
– Vamos lá fora, eu vejo as árvores, aí estou pronto pra próxima.
– Ok.
Concordaram.
Atravessaram outra porta que dava de frente para um jardim falido. Apenas uma árvore castigada pelas estações e pouca coisa colorida.
– Essa é a árvore?
– É. Por que?
– Nada. Podo ela agora por vinte reais.
– Pode começar.
VRUM VRUMVRUM o som do serrote. Salete já pensava que esse negócio não daria muito certo. “Um homem que fode desse jeito merece ter os bagos serrados, porque não servem nem pra adubar uma cueca”.
Valter entrou pela porta da frente controladamente, sem barulho, vestindo uma fantasia de árvore, com a arma em punho sempre. Dirigiu-se até o quarto, mas ao entrar, não encontrou ninguém. Pensou no pior “A piranha gostou tanto, que fugiu”. Deu uma caminhada pela casa, e viu pelo vidro da janela o VRUM VRUM no jardim. Regozijou, ainda teria tempo. Escondeu-se e esperou ambos entrarem novamente no quarto. Depois de ouvir alguns gemidos prazerosos, a árvore armada andou até lá.
– Será que alguém pode me podar? Falou gargalhando. Sua ideia tinha sido incrível.
– O que é isso? O que está acontecendo?
– Qual é jardineiro?! Tenho uma raiz pra te enfiar no cu.
Salete ria. Era uma ideia incrível.
Um tiro na cabeça.
O negro já estava sem braços e pernas. VRUM VRUMVRUM
– O que você acha de um taxista amanhã?