Peça uma peça ( III )

O personagem observa o morador saindo do palco. Recoloca as peças na posição original e para o relógio. Pega-o na mão, ajeita os tempos (demora um pouco pra conseguir) e devolve na mesa. Enquanto isso, no fundo do palco alguns turistas tiram fotos e riem. Falando em outra língua. Acende outro cigarro. Aciona o relógio para jogar contra si mesmo.

Jogando e falando com seu adversário imaginário ( a palavra Plic significa  a batida no relógio, logo após um lance no tabuleiro…e4 e c5 são anotações reais de xadrez).

1 – e4
Plic
1 – …c5
Plic
– Siciliana, ham?
Plic.
– É a melhor.
Plic.
– Concordo.

Mais lances em silêncio, apenas ouve-se o barulho do relógio sendo acionado a cada lance.

Plic,Plic,Plic,Plic,Plic,Plic,Plic,Plic,Plic,Plic,Plic.

– Fazia mais de dez anos que não jogava xadrez.
PLIC! Uma batida mais forte no relógio.

Personagem olha para o adversário imaginário com cara de desaprovação.

– Bate fraco no relógio!
Plic.
– Desculpa.
Plic.
– Por que parou de jogar?
– Virei motoboy.
– Mentira.
Plic.
– Verdade.
Plic.
– Poderia ter continuado paralelamente com o xadrez. Aliás, ainda joga muito bem pelo tempo parado.
Plic.
– Obrigado. Mas fiquei sem tempo pra estudar o jogo e perdi o tesão.
Plic.
– Perdeu o tesão e virou motoboy?
– Virei motoboy e perdi o tesão.
– Por que diabos virou motoboy então?
Plic.
– Salário. Recebia em torno de R$ 250,00 para competir. Me ofereceram R$ 550,00 pra entregar peças de automóveis e caminhões. O dinheiro encerra alguma carreira, ahn?!
– Que puto você. Quantos anos tinha?
– Dezoito.
Plic.
– Foi competidor por quanto tempo?
Plic.
– Comecei jogar com doze, e aos treze já viajava disputando torneios pelo estado. Agora fica quieto uns minutos, preciso pensar na próxima jogada.

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