Um crucifixo no lugar dos ponteiros do relógio é capaz de dar doze horas diferentes

Assim como a sombra ofusca um homem
A noite, insegura, desnuda o dia       
Ecos da geladeira, olhar periférico do matador de baleias
Atirador de facas abduzido por uma tribo indígena
A piedade é carne de lobo
As unhas do quati rasgam o cão em três pedaços
– Ramon, por que não joga mais cacheta?
– Porque só perco dinheiro
– Lembrei ontem à noite da piada que fez com o pino de boliche
– Qual?
– Que ele é tão baixo que só consegue colher abacate de helicóptero
Acabei aqui, com uma lanterna na mochila
E por diabos, o melhor poema que ouvi hoje não existe
Sobre um cara que conserta canos e cheira merda quinze horas por dia
Continuam sussurrando palavras de amor na minha parede
Os cantores deram uma trégua
Agora discutem contraindicações de inseticidas
Enquanto uma barata corre até mim como se fosse à mensageira
Continuam sussurrando palavras de amor na minha parede
Ganhei a lanterna e a mochila
Roubei uma carta do baralho
Um Ás de copas
Pelo dinheiro perdido
Estou de folga amanhã
O poeta que declamou o poema do encanador que não existe
Usava óculos e tinha uma gargalhada peculiar
Daquelas que é difícil existir
Vou pedir inseticida emprestado
Vou iluminar com lanterna todos bichos antes de matar
A noite, insegura, desnuda o dia
Depois guardarei na mochila
O melhor poema que ouvi hoje termina assim:
“Flertei com dez mulheres
E todas disseram:
Sim, sim, mamãe quer seu filho menos triste amanhã”
– Ramon, o pino pediu transferência de posto
– Vai pra onde?
– Trabalhar de segurança na creche
– Sim, sim
– Ramon, é bem difícil a tainha vir pelo sul
– Sim, sim
Nem um mísero par na cacheta
Ás, 3, 6, puto, puto, dama, 9, 3 dobrado, 6 dobrado
Assim como a sombra ofusca um homem
Continuam sussurrando palavras de amor na minha parede
E eu não consigo decifrar
De qual lado chegam essas vozes
Estou de folga amanhã
Atirarei facas em um índio
Caso não me ensine
Abduzir baleias

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