Devaneio

Sentado e sozinho
Em um banco de madeira
Ao  lado da porta que entro todos os dias ou quase
Para trabalhar
Ouço passos se arrastando por perto
Oito horas da manhã
Nem olho, somente respiro fundo
Na minha cabeça é só mais um
Vai entrar e sumir pelo bem de todos
Mas desta vez os pés tinham voz
Oi. Lembra de mim?
Com muito desgosto pela intromissão eu viro a cabeça
É uma ruiva, ou um protótipo de uma
Não, eu digo
Não lembra de mim? Vou trabalhar aqui
Parabéns
Fui na sua casa há cinco, seis anos atrás
Parabéns
Deve ser porque emagreci 20 quilos e pintei os cabelos
Está ótima
Você continua igual
Dei sorte
Seu nome é Ramon, não é?!
Ainda igual
Mora no mesmo lugar?
Não exatamente
Vai fazer o que hoje a noite?
Sentarei sozinho em algum lugar
Quer companhia?
Não, prefiro que as pessoas desapareçam com o Sol
Posso sentar um minutinho aqui com você?
Claro
Ela sentou cruzando as pernas
Já chupei você
Aé??? Indaguei sem tentar ligar a memória
Ahaaaaaam
Hum….Bem….Obrigado
Não precisa agradecer, foi um prazer
Ótimo
Suas bolas são tão pequeninas, fofinhas
Esse é um grande elogio
Verdade, nunca vi bolas iguais as suas
Estão em extinção
Vou trabalhar de recepcionista
Muito digno
O que você faz aqui?
Ultimamente só fumo e bebo café
Engraçado
Mais que o normal
Aí pelas nove posso te chupar no banheiro
Escutei a porta batendo forte
Saí do transe
Eu continuava falando sozinho
E sentado
Sem intimidade até fora de mim

Plantas sobreviveram no jardim quando chorei

Flores apenas coloriram
E o pássaro com um pé defeituoso
Não quis
Voar
Chamei-o de Absalão duas vezes
“Absalão, Absalão”
Nada, nem sequer um piu
Notei então, que a natureza era um erro
E Absalão significava-me
Sim, um erro
O erro
Da natureza
Enquanto o boldo reluzia verde
Entre pedras brancas
Doadas pelo século
Vendidas por Marte
E a lanterna solar falhava
Nada fazia sentido
Quando colhia manjericão
Para um macarrão
Que sobraria
Mais uma vez

Origem

Crianças felizes proibidas de cantar
Fazem buraco na areia
Em silêncio
Para não despertarem pássaros pedófilos
Mas o buraco é pequeno para entrar
Então elas mijam nas calças por alguns centavos
Elas suam por proteção
E seus amigos guardam segredo
Até que apertem os seios da sua namoradinha
Ela vira de bunda e aceita uma passadinha de mão longa
Corre pra casa
E quem passou a mão fica com a cara de quem inventou a bicicleta
O vizinho é mais velho e faz de tudo pra conhecer a prima
Em troca oferece revistas de mulheres nuas
Então descobre que seu pai tem melhores
Escondidas junto com o revólver
Ninguém sabe o que assusta mais
Apenas descobre-se fraco demais para puxar o gatilho
Mirando nas flores e nos álbuns
Seus brinquedos caem na ratoeira
Felizmente já tinha um rato
E o corpo é uma névoa de inocência
Erupções de água
Na maior putaria imaginada
Cuecas mapeadas
Calcinhas lacradas
Medo deficiente
As portas rangem
E o diabo finalmente aparece
E esclarece

libélula

a libélula de uma cor estranha
batendo asas de olhos fechados
eu falhei em contemplar tanta beleza
mas ela continua
está tão perto
que me espanta pensar em respirar
e espantá-la
não estamos conectados
estamos frios
dançando um tango estático
suas asas aceleradas fazem um som ininterrupto
vupt, vupt, vupt, vupt, vupt
rápida como o laser da animosidade
vácuo vago
chacina empírica
vivemos na velocidade da vida
mas fomos ultrapassados pela morte
respiro fundo e a libélula não se move
nosso quadro sem pintor
cuspiram nosso momento íntimo
ela mantêm-se em equilíbrio com o ar
eu vendi o futuro de três pessoas
vupt, vupt, vupt, vupt, vupt
minimizo os detalhes
agonizo nas possibilidades
demarquei um território inóspito
onde sangue é ingrediente para o alivio
esse inseto rodeia plantas verdes em formato de coração
talvez queira um daquele tamanho
talvez encare aquilo como bundas em pé
vendi o futuro de três pessoas e não ganhei nada
pelo contrário, pago até hoje
minha libélula não sabe disso
desconfia
mas sou tão grato pelos momentos
que me recuso tentar cortar suas asas
então de olhos fechados
nos despedimos
e voamos baixo, unidos
pra lugar nenhum