recorto um jornal
afio uma faca
amarro um cadarço
pinto uma parede
e então percebo
que todos poemas
de alguma maneira
deveriam soar simples
assim.
recorto um jornal
afio uma faca
amarro um cadarço
pinto uma parede
e então percebo
que todos poemas
de alguma maneira
deveriam soar simples
assim.
amor amordaçado
fé febril
destino desativado
embriões embriagados
prefixos inexistentes em riste num fino final
ler ao contrário, desejo desfavorável
minha mente mente mediante medidas, medo
Um coma comedido de comédia
corpo corporativo
Alegrias e aleluias
Améns amenizam frutíferas frustrações
Carrego caroços carnívoros
Cordialmente, cor de cortina
imagino imaculados imãs
miséria mista
jogos, jogos, perde-se perpetuamente
castigo casto
Abrangente, abre o abrigo
suor, suor, suíno
divino dividendo
calabouço calado
prefixos inexistentes em riste num fino final
ler ao contrário, desejo desgastante
pérolas, perfeitas perdições
sonho sonâmbulo, soneto sonegado
martírio marginal, marchas, marcas, margarina, margaridas
cedemos cedo
sedativos sedosos, brilhantes brindes
calma, calma, calvície? calmantes!
operários operados
circo, cirrose, ciranda, circuito
objeto, obséquio observado
gás, gastrite, gastado, gastronomia
tensas tentações
sêmen semeado sem semblante
porra, por que?
mercadoria merda, merecemos
prefixos inexistentes em riste num fino final
ler ao contrário, desperdício desimpedido
precariedades prestativas
amolecer amianto, adoecer adoções
alternar altruísmo
calar calvário
colorir colírios
escrever este estrofe
como combinado
levantei e lavei o rosto
pela primeira vez desde que morri
abri minha primeira garrafa de RUM
e na morte me servi
de uma bela dose desconhecida
– em efeitos póstumos
me sentei ao lado da vitrola empoeirada
em uma cadeira desconfortável
– e conforme instruções
coloquei para tocar o primeiro disco
que encontrei pela frente: Mozart
ouvindo o requiem apropriado
fumei meu primeiro cigarro
oficialmente, morto
depois novamente estiquei as pernas
e fiquei revivendo este ser
esta maravilhosa concentração de energia
que me encheu de luz e calor tantos dias
até que o milagre se fez
eis que surge este ser peludo
branco e arrepiado feito um raio
correndo, miando, resfolegando
que faz brotar meu primeiro sorriso
que me faz sentir vivo novamente
por isso quando foi dormir me sentei
e escrevi meu primeiro poema post mortem
em homenagem ao gato que miou
pela última vez esta madrugada
em celestial desordem.
Você mata a vizinha
Após ler Noites Brancas
Ou apenas segue-a
Atrás dos postes
De repente
Você se equilibra sobre o cordão umbilical
Num malabarismo de façanhas
E mesmo com as pernas tenras
Fique firme
De repente
As flores e os amendoins vingam
E os pingos da chuva fria
Embelezam ainda mais suas folhas
Não é o cultivo, e sim a graça
Você se ajoelha para ver de mais perto
E mesmo com os pingos da chuva escorrendo na testa
Sua natureza não se compara a deles
De repente
É possível ouvir um gato todos os dias
Como se seus pelos fossem arrancados um por um
E os gritos são tão altos
Que levanta-se, vai até a janela
Nada vê, absorve aquilo, abre a geladeira indignado
Diz pra si mesmo: “Dois pés, um cu e ladeira abaixo”
De repente
Abra mais uma cerveja
Sinta um cheiro estranho no travesseiro
Percebe que foi roubado na farmácia
Orgulha-se por saber temperar tomate
Mais um furo no colchão!
De repente
Os livros fechados concordem
As pipetas façam algum sentido
Quatro paredes é pouco
Azeitonas recheadas?!
Pensa que crianças se dariam melhor na caverna de Platão
De repente
Dormir é o cheiro da morte!
Sexo é vida em quadrinhos!
Parar em ponto morto, bíblico!
Salvação!
Bactérias, fungos, sangue quente!
De repente
Somente de repente
Seja mais fácil ser passageiro
Sem lembranças
Sem rastros
peço perdão toda vez que fecho os olhos
e consigo me desfazer da realidade
quando o ódio adormece
e os pássaros se fundem em metal pesado
e tinta amarela
quando a cantoria habitual
torna-se um ruído cortante
impossível de ser digerido
e meu pai incomodado desce da cruz
para discutirmos sobre aquele aluguel
que atrasei quando tinha
nove anos
de absolutamente,
nada.
Um vão de sobriedade insiste em ejacular-me
Não consigo ser simples com a hipótese da simplicidade
Preciso roer essa tal de insensatez contínua
Que domina os miúdos mais moídos que a imaginação fornece
Possuído pela cólera dos ruídos irrisórios
Pirei em vão em um vão
Não, não, não
Queixar-me é um charme da ilusão
Estou parido e sem freios
Invocando o fim em parcelas de tudo e nada
Sou eu quem paga, ou não paga
Me cobrem!
Me cobrem de névoa e rostos enlatados
Eu cubro e cobro a aposta perdida
Já me vejo amarelo e sem gosto
Como o ouro
Ou uma embalagem de sardinha
Raso igualmente tal qual a sombra da minhoca no rastro de Plutão
Extremidades de um ovo
Tudo em vão
Tudo é um vão
Mas o vão não é tudo
Nem é o nada
O vão é simplesmente o vão
E todos vão pro vão
No mesmo vagão
Em trilhos diferentes
Sempre peço e nunca desejo
Extremos
De um ser que não é
Ouvindo trovões da rua dos espíritos duvidosos
E imaginando o som apagado do gato no telhado
há um tumor indeciso em meu cérebro
que quer me matar
de rir
mas sou ordinário demais com ele,
eu digo, seu babaca, fique parado aí
há um tumor indeciso em meu cérebro que
quer me matar
de rir
mas eu despejo merda sobre ele e inalo
minha própria urina
e meus rins e meus pulmões
e o velho fígado
nunca irão entender
o motivo de
tanta graça
há um tumor indeciso em meu cérebro que
quer me matar
de rir
mas sou ordinário demais com ele,
eu digo,
seu cancerigenozinho de merda
fique quieto aí,
quer me fazer mijar nas calças?
(…) há um tumor indeciso em meu cérebro que
quer me matar
de rir
mas sou bastante tolerante, deixo que ele
assuma algumas funções
quando vou dormir
eu digo: agora é contigo,
então te esforce vagabundo.
depois, quando acordo
ele dorme novamente
não eternamente
por hora
e por vezes dormimos juntos
dividindo as funções
como se tivéssemos até
combinado previamente
para dormirmos tão
bem
mas eu não durmo,
e ele?
* no ritmo do pássaro azul
Estalos no teto, riscos no chão
Fulgores
Espetáculo em cápsulas
Pegadas nas cinzas do cigarro
O terceiro gole, o quarto ato
Vias em vórtex, a cortina nem balança
Aqui dentro, aqui dentro
O eclipse é um trono no céu
Desnuda alcova
Onde centopéias de olhos azuis
Brotam pelo reboco da pedra ao lado
E a fornalha de linho branco
Esconde em chamas, a entrada de emergência
Ficar longe não é estar longe
Mas o tempo sempre nos fez estragar um pouco
O brilhantismo diminui na fonte, que por horas está cheia, por horas seca
O abastecimento, enquanto for dependente, é mórbido, coisa de vagabundo
Mas aí você está sozinho até o gargalo, e não reclama disso
Decide falar apenas por sinais, e ninguém entende, suas linguagens são outras, previsíveis
E eles seguem, orando por dinheiro e fodas
Colecionando um passado de hambúrgueres, parafusos, dentes postiços
Crimes, almas gêmeas, casamentos e a porra do Papa
E eu agindo como um cachorro de rua bêbado
Comendo o que tem, bebendo tudo que consigo e dormindo sempre que possível
Mas dificilmente é possível, o instinto aflora nas ameaças e oportunidades
Penso na insônia
Meu único prazer mantido por anos foi mastigado
Tento culpar o barulho dos vizinhos, suas gargalhadas
Suas caminhadas em horários suspeitos dentro das suas casas
Meu ventilador, as baratas, os ratos, a fome, a fama de um gambá no lixo
O gás aberto, as britas, a chuva, os portões escancarados, o tesão, a dor
Os mandamentos, as frieiras, as freiras, o chulé, a parede alaranjada, a peça pequena
A falta de uma televisão, a falta da leitura, os tênis novos, o colchão no chão
Meu corpo no chão, pálido, imóvel, lúcido, o silêncio das covas, a ânsia esgotada
A poucos metros ouço o ronco dos doadores de pipoca
Tão sobreviventes como tumores malignos
É isso, minha vida é um luto, por tudo que não perdi
você trabalha feito um morcego míope madrugadas adentro
e em sua única folga na semana
mesmo depois de ansiar dias
por este momento
“você sente que precisa sair e matar
sugar o sangue dos mortos
já não é o suficiente”
você apenas
dorme..
de cabeça para baixo, obviamente.
dorme 18 horas ininterruptas
e quando acorda, o dia já raiou
sua folga já partiu
e do domingo,
nada restou.
sua mulher deitou-se a pouco
e você, ainda acordando, tateia a beirada da cama
procurando por uma cerveja
que por sorte, não encontra
do contrário, seu bom dia seria quente
e muito provavelmente,
horizontal.
sobre a mesa da sala
você percebe que enquanto dormia
sua mulher trabalhava;
pintou um retrato seu e outro
dela. uma verdadeira artista,
sem dúvida alguma.
você sabe, sempre soube
por isso sorri satisfeito;
alguém precisa se manter
vivo.
então você abre a porta da frente
na esperança de encontrar seu filho, Arturo.
está sumido há três dias
e você não faz nenhuma ideia
de onde ele possa estar, não o conhece
o suficiente
e no fundo, acredita que ele tem bons motivos
para não voltar
“eu voltaria?” – você se pergunta
antes de bater a porta às suas costas
e voltar a dormir.
Caro confidente
Escrevo-lhe a partir daquela cautela exacerbada citada na última carta
Embora pareça que não pensei em você nos últimos meses
Ressalto, com minhas mais sinceras palavras
Que nunca estivemos em maior sintonia
Deixe-me contar algumas novidades
Antes que eu esqueça, sim, ainda sofro com sorrisos
No último contato não fui bem claro, até porque, imaginei-o também rindo da situação
Senti-me coagido pelo nível três, seu vizinho de porta
Mas quero esclarecer tais notas, antes das novidades
Pode não acreditar, porém, as mulheres têm sido ainda mais demonstrativas
Lembra daquela lésbica com fones nos ouvidos de quem falei?
Pois é, nunca mais a vi, e mesmo assim sua boca suspeita e aberta ainda me confronta
Sei que parece loucura não esquecer aquele riso
Mas permita-me salientar uma coisa
Foi na minha cara!
Por seis segundos
Sem contato visual, entretanto, o que mudaria?
Nada! Ela me deve explicações
Blá, blá, blá pra você também
Amigo, as mulheres estão me mostrando os dentes diariamente
Sei, sei, sei que tudo isso lhe parece estúpido
Não, não estão flertando, eu conheço um flerte
Esse conluio feminino me pegou desprevenido
Uma gordinha pálida e sem escrúpulos faz parte
E quer saber o pior, a vejo quase todas as manhãs
Imagino que trabalha aqui perto
É uma tortura, nunca mais olhei-a nos olhos
Ela me assusta
Pra finalizar esse assunto de mulheres
Rosana acha que sou assassino
Rosana trabalha no mesmo prédio que eu
Nunca falei com ela
Mas notei que deixou de ir ao banheiro quando bebo água
Como posso não ter razão? O bebedouro fica ao lado da porta!
Laura do supermercado me deu “Bom dia” com a voz baixa e depois riu brevemente
Percebi a maldade correndo pelas artérias dos olhos
Ahhh, mas nada comparado ao que Lúcia do mesmo supermercado fez
Perguntou-me se eu não gostaria de ter um cartão fidelidade para adquirir descontos!!
Impressionante não?!
Chega de mulheres, vamos às novidades
Fui estuprado enquanto dormia
Ora, não percebi porque estava bêbado!
Quatro vezes!!
Claro que não lembro, mas acordei em casa todas as vezes
Em três ocasiões não sei quem foi, na última foi um amigo
Que amigo ahn?
Não tenho provas, nas três primeiras vezes tenho certeza que foi alguém com uma cópia da chave da casa, o antigo morador quem sabe?
Fui ver o preço de uma fechadura nova, mas decidi que pegaria o cara
Então montei uma armadilha na porta com duas garrafas de vinho e um banco
Fazem seis meses que aguardo o desgraçado tentar abrir a porta
Não preciso de provas! Afinal acordei sem cueca nas três vezes!
Na primeira vez estava no banheiro ao lado do papel higiênico
Na segunda sobre a pia da cozinha, e na terceira no lixo
Maldito doente!!
Meu amigo ao menos teve a decência de me vestir depois
Mais novidades?
Estão atirando pedras na minha sacada
Não falei pra ninguém, mas acho que isso tem a ver com os estupros
Assim como um pedaço de guardanapo que encontrei dentro do tênis
Quer mais provas que isso?
Tem sim!
Na última vez que peguei o ônibus um homem estranho disse me conhecer do trabalho
Jesus, era o antigo morador!
Estive tão perto dele, não sei como consegui perdê-lo
Não fui mais de ônibus trabalhar
Fiquei com medo de adquirir a síndrome de Estocolmo
Mas estou de olho
Bom, no mais, minha mulher me deixou por achar que bebo demais
Disse que crio teorias demasiadamente
Só porque tenho um histórico familiar de alcoolismo e hipocondria
Pode isso?
Queria que eu acreditasse em Deus e em todas suas baboseiras
Não sou tão ingênuo
Minha saúde continua a mesma, um câncer por dia, uma cura por dia
Analisei um catarro preto meu por vinte minutos
Nada de sangue!
Estou ótimo! Concorda?
Desculpe a demora, andei ocupado
Espero lhe encontrar o mais breve possível
Será um dia especial