Haicão chamado “Ai cão”

Por mais de três horas
Ouvindo latidos ininterruptos
Nesse quarto escuro
Que cega minha janela
Creio que todo esse alarde
Só acabará, quando eu repetir a frase
Usada em outra ocasião
Mais umas quatro ou cinco vezes
Em mais uns quatro ou cinco poemas
Então lá vai, minha primeira tentativa
De trato comigo
“Se os cães falassem, soletrariam “AU” e só”

Ai de mim pequena!
Isso é o que dá
Colocar pulga
Em cachorro magro

enquanto ela dorme

enquanto ela dorme
feito um anjo caído
entre meros mortais
e outra mulher esquenta
minha orelha ao telefone
enquanto ela dorme
e permaneço aqui
bebendo e fumando
enquanto ela dorme
e invento maneiras
de me distrair
para deixá-la dormir
enquanto ela dorme
e permaneço
devorando-a em meus
pensamentos
enquanto ela dorme
e penso em tudo
que preciso contar
a ela quando acordar
enquanto ela dorme
e imagino futuros utópicos
onde vivemos satisfeitos
nossas insanidades
enquanto ela dorme
e espero o relógio girar
o dia chegar, ou melhor
ela acordar.

Poema para o fim do imundo

Sem ter o que comer
Amola uma faca
Sem ter o que beber
Lambe um copo
Sem conseguir gritar
Cospe no chão
Sem ter compaixão
Compra uma gaiola
Sem ter esperança
Pendura um calendário
Sem ter dívidas
Quebra um cofre
Sem ter ambição
Joga no bicho
Desprovido de estilo
Leva o cachorro passear
Desprovido de amor
Canta no chuveiro
Sem ter doença
Esteriliza a caixa d’água
Sem ter luz
Sequestra um vaga-lume
Sem ter fé
Escreve poemas

É Diógenes,
Enquanto você perambulou com uma lamparina
Depenou um galináceo
E pediu esmola para uma estátua
O homem refinou suas escolhas