pendurei na cueca
uma cordinha
e na cordinha
um isqueiro
assim
tô sempre
com ele
e ela
não disse
nada
depois pendurei
outra cordinha
e nesta
uma caneta
e ela então
perguntou
pra quê?
pra escrever
mas
tu nem
escreve
filha da puta
pois é, a caneta
é puro charme
confessei
enquanto furava
seus olhos
com minha arma
tinta preta
fantascópio
alongo mentalmente
para um dia imaginário
um morto feito
preparado para o Sol
que nunca chega
que lá fora brilha feito vida
imagina-se ainda
instigando aqui dentro
o ser apagado
esquecido, tolido
nas sombras
da vida, das vidas
pouco resta,
pouco resto,
transpondo paredes
nuas, nu
quero absorver
quero ser absorvido
quero sentir algo
preciso
estou cansado de ser
quem tenho
sido
A Bacana
Homicídio de 1999
Começo, verdadeiramente
A cravar a existência de um Criador
Através das mais simplórias constatações
Acredito quase 100%
Numa totalidade transparente e segura
Que de outra forma
Não haveria possibilidade de termos
Um inferno assim,
Tão perfeito
Com uma ressalva indispensável
Para tal afirmação:
Criou de luvas
Para F.F
Marchando sobre ferraduras
Ou apenas alegando insanidade poética
O crime demorou sete anos para ser finalizado
Notícia um tanto confusa
Que chegou de helicóptero
E pousou no cemitério dos campos vastos
Onde adultos brincavam de acordar fetos feitos de açúcar
Pneu estourado pelo tiro da espingarda de plástico
Metros abaixo de onde o fusca vermelho fora abandonado
Um senhor grisalho e de terno mostrou seu crachá, que dizia:
“Vim do futuro e não existo”
minha nada mole vida
hoje nem dormi
vinte horas
no máximo umas
dezesseis
acordei com fome
pra variar
e como sempre
o Traste
não deixou
meu prato feito
miei, miei, miei
e nada,
voltei a dormir
mais quatro horas
que me faltava
acordei e nada
miei, miei, miei
quase apanhei
mas comi de boas
e agora enquanto mio
só pra infernizar
os poemas do tal poeta
com cara de safado
vou deitar mais umas
horas, mas agora
desse lado
Declamação: FOTOGR.
FOTOGR. – Poema de Eduard Traste
Declamado por Martinha Leitte Yanomami
Florbela
os cachorros latindo
nunca é você chegando
isso me mata cada dia mais
e cada dia menos
de mim
resta a esperar
ao latido que irá te anunciar
e me tirar deste inferno velado
porque hoje
uma das poucas coisas
que ainda faz algum sentido
é te imaginar surgindo
em meio aos latidos,
Florbela
A poesia é tudo aquilo que ela não quer dizer
isto não é uma resenha
um dos diversos desenhos presentes na obra estrAbismo
…a poesia é inimiga da verdade. Ela não se preocupa com isso. Isso é coisa de filósofos. A poesia bêbada não tá nem aí pra esse tipo de elucubração.
Ela é insana intensa e avessa a cânones e escolásticas. Ela caminha de lado. Nunca entra. Sempre de fora.
A propósito de estrabismos, de Mrs Oculus.
Faz falta um poeta assim na cena literária brasileira. Que vem e detona tudo. A (im)pureza do verso. A (in)consequência do gesto. Que (ir)Rompe o silêncio no grito.
Clique aqui e continue lendo esta crônica poética que dialoga com o livro estrAbismo, por Eduardo Ferreira (Autor da novela “Eu nóia”, 2006).
Lhegista
No meio da vesícula tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio da vesícula
Tinha uma pedra
No meio da vesícula tinha uma pedra
Nunca me esquecerei desse acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fatigadas
No meio do caminho tinha uma perna
Tinha uma perna no meio do caminho
Tinha uma perna
No meio do caminho tinha uma perna
Nunca me esquecerei desse acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fatigadas
No meio do caminho tinha um i
Tinha um i no meio do caminho
Tinha um i
No meio do caminho tinha um i
Intestino
Infecção
iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii
Agora, Ivo?
No meio do caminho até tinha uma pedra
Mas Sísifo resolveu construir barragens