O confessionário do bode expiatório

W.C saiu com seu carrinho vermelho cheio de galinhas brancas
Encontrou T.S desolado com a enxada na mão
Cumprimentaram-se apenas com os dedos
E ambos lembraram de como W.W utilizava-os durante a guerra
R.A saiu para comprar pimenta, e viu P.L distraído nas prateleiras de bebida
R.A riu de P.L, que desconfortável disse: “Na dúvida venceremos”
H.I passou mal após o banho, e tomado pela cólera
Desafiou seu irmão para um duelo perante o povo
S.L fez notas lendo o jornal, depois escreveu uma carta ao colunista
Esclarecendo que escreveria um livro sobre ele
O.W gostou da iniciativa, fez um filme, mas de outro jornalista
Demitiu o protagonista por achá-lo demasiadamente parecido com Deus
J.L comprou várias outras ideias de S.L, e quase sem tempo
Lapidou como pôde para pagar seus luxos
C.B saiu com uma japonesa e cozinhou bifes com peras caramelizadas
Depois pegou seu cachorro e foi deitar na praia
Lá, viu H.M com outra japonesa de kimono
Acenou com os pés, mas H.M não viu
Tanto, que montou em sua bicicleta e descascou uma laranja
A.C deitou e rolou na montanha, quando percebeu
S.B estava rolando ao seu lado
Os dois concordaram que cruzes deviam ter rodinhas
E que o perigo é um ato de bondade
A.S pegou sua porca de madeira e enterrou no cemitério
Depois, com um grampo de varal na mão direita
Desafiou os santos a fazerem algo melhor
C.B interveio, afirmou que os deuses não devem ser incomodados
A.S prendeu um grilo no grampo e colocou-o de volta na mala
J.F roubou garrafas de leite porque o mexicano torceu o pé na escada
E apostou todas suas moedas no gatilho mais rápido da liga
A partida nem tinha começado, quando N.R distribuiu notas pela arquibancada
A falecida deu o pontapé inicial, enquanto a grávida salivava pelos de gato
O anjo G.G duvidou que o galo tinha fígado
Montou uma comunidade cheia de mágicos
Desencarnou quando o avião caiu em seu colo
C.D ajeitou os óculos e gritou do seu banco de madeira: “E agora Joseph? A náusea é um paralelepípedo florido”
Adrien fez café e chorou após diários cumprimentos imaginários
G.L foi assassinado por saber onde nasceu
B.F admitiu que não há nada mais curativo que o toque humano
R.C reserva caprichos
P.S.A

Algo está totalmente errado em mim, de alguma forma me aproveito disso

O sol brilha falsamente entre as árvores
Seu calor me traz o frio compacto
Com o mesmo gosto, agora grudado no bigode
Doce como um pingo de vela
Mantenho a morte por perto, porque a vida é inalcançável
Não é bem um caso de amor, nem doença
Como posso dizer, talvez um desvio
No máximo um ritmo diferente
Uma anomalia disforme e pragmática
Poeticamente inválido
Risos sanguinários, falta de ar, peidos suspeitos
Meu tempo é um cadáver exposto
Escrevo o último poema todas as noites
As barbaridades fazem carreata no velório
Resignado, martirizado
Quando a última luz beliscar nossas bundas
Então, poderemos finalmente dormir com a companhia de todos
Ao som dos reféns tocando harpas
Designados a rolar em uma corda bamba
Por vidas e vindas
Feridos são os homens que descansam

Curitibanos

algumas são boas de cama
apenas
para muitos
bastam
para muitas horas, eu diria:
bastam

outras são boas de sentar
beber, conversar
fumar um
e para alguns ou
por alguns momentos
ao menos
elas bastam

algumas são boas de cama
boas de conversar
compartilhar
fazer parte de suas vidas
estas, porém
em sua grande maioria
se bastam

de mulheres que bastam
o mundo está cheio
assim como eu
que embora vazio
me encontre transbordando
de mulheres que bastam



por sorte
existem formas únicas
espíritos imensuráveis
as verdadeiras obras de arte
vivas
pessoas verdadeiramente
indescritíveis
inesquecíveis
insubstituíveis
como esta
que acabo de reencontrar

nestes momentos
você sente o verdadeiro cheiro
e gosto
da chuva
que permeia soberano
entre o cheiro de cigarros
e Amarula

as proporções são eternamente
incomparáveis
o cheiro da chuva
aqui, agora
me transporta para outro universo
um universo onde tudo está
e permanece
seguro
perfeito
como se o tempo
verdadeiramente tivesse parado
em nosso favor



iludido
quando a chuva se vai
eu caio
um ateu de joelhos
orando para o salvador inexistente
até porque você se basta
ou ao menos
encontrou alguém
que te basta.

Se quero rir, escrevo. Se quero chorar, leio o que escrevo

Vivaldi hoje,
Apareceu quatro vezes aqui em casa
Reclamou tanto da chuva
Que dei-lhe uns trocados
Para um conserto qualquer que precisava fazer
Não sabia se era o platinado
Ou a bobina do fusca que tinha ido pro pau
Maldita sanfona, não para de rasgar!
E tem um tremendo barulhinho, que parece violino
Na caixa de marcha
Sei, sei Valdir. Por que não vende a encrenca?
Porque o passado é só o que tenho
E o que isso tem a ver com esse lixo de rodinha?
Nascemos no mesmo ano
Por não queimar óleo e não vazar gasolina
Era pra estar melhor
Tento cuidar dele
Falo de ti
Ah! Uma vez bebi álcool direto da bomba
Lembro disso, eu que apostei contigo
Nunca pagou
Faltou o gargarejo, parte importante da aposta
Você também não está nenhum Alfa Romeo
Alfa Ramon, Afta Ramon, Alfa Lhado
Continua escrevendo, Alfa Lido?
Aos poucos, Alfa Minto
Como é mesmo aquela frase sua que gosto?
“O inferno são os outros”
Não é essa
“Poetizar a insanidade é como acariciar um gato morto ou morder o próprio olho”
Também não. Fala da solidão
“Os homens mais fortes são os mais solitários”
São mesmo?
Sei lá
Preciso ir à oficina, valeu pela grana Ford Caído
Te vejo amanhã, Vivaldi

Em outra estação
Quando “A solidão é minha parceira, sem ela me sinto sozinho”
Fizer menos sentido

Diante de ti

No mar que palpita os olhos, escarnece a alma
Diante de ti,
Em meio ao véu soturno
Do primeiro sopro cardíaco da manhã
Perpétuo
O cheiro de abacate cortado
Indignas
Roseiras em caules mastigados
Tiranos
Psicopatas em cruzes de orvalho
Diante de ti,
Bigas transportando palhaços invisíveis
Quimeras em estátuas de sal
Maçãs nas teias de aranha
O improvável mausoléu de heranças equívocas
No mar que palpita os olhos, escarnece a alma
Diante de ti,
Godot na corda de Lucky
Sabor dos cachimbos de plástico
Colchões em pé no canto do quarto
O amargo estampido no palato do fantoche
As ruínas nas migalhas de janeiro
Diante de ti,
Sobremesas antes do jantar
Nicotina em doses curativas
Puxadores soltos nos parafusos
Conservas vazias embaixo da pia
No mar que palpita os olhos, escarnece a alma
No mar que palpita os olhos, escarnece a alma
Diante de ti,
Túmulos em poses circenses
Acrobatas no subúrbio animal
Embriaguez em tempos de paz   
Baratas mortas dentro dos moletons
Almoços em xícaras de papel
Adiante, adiante, adiante
Elos em crinas de borracha
O improvável mausoléu de heranças equívocas
No mar que palpita os olhos
A planta do céu da boca
Antílopes fumando cigarros de bronze
Cobertores atirados em camas molhadas
Diante de ti, escarnece a alma
Interruptores amarelos como os dentes
Panelas com cabos quebrados
Isqueiros molhados
Pregos de cabeça torta
Azeite na garrafa de vinagre
Vinagre no pote de sal
Sal na boca do fogão
Buraquinhos do chuveiro trancados
Alicate que não abre mais
Diante, diante, diante
De ti
Não adianta
Mais