Morra-me

Tráfego lateral na ponta dos dedos
Deslizam verticalmente empossados
Pelo limite do engodo caloroso da marginal
Um outdoor repleto de dentes brancos
Endossa o fio condutor como símbolo  
De um viés inacabado
Enquanto isso,
O atraso, a sonolência, as suturas
Repentinamente golpeiam o espectador
É longo o acesso, curto o passo
Serpentinas douradas enroscam nos cabelos
O céu triunfa, refletido nos incisivos
Do outro lado,
Um raio de sol, cruz no anzol
Manjeronas brotam
Em pudim de argila
Tronco ou cabide?
Miopia, minha pia
Há em mim um manicômio
Que ferve e flutua
Trôpegos, os sons se conectam
Apesar daquilo,
A miragem entra no mar calmo e gelado
Trazendo uma névoa elegante
Que faz bactérias chorarem
Esquálido,
O torpor atravessa na faixa amiúde
Preciso lavar meu calção branco

miseravelmente saudável

eu achava que podia
ter algum problema
sério. mas então
comecei a me alimentar
feito gente, e logo percebi
que podia ser como eles
os tais, saudáveis..
e isso foi bom, foi bom
até perceber que
ser saudável pode ser
tão chato quanto parece
por isso logo voltei
para minha simples vida
insana cheia de estresses
que só quem não se alimenta
bem, pode apreciar
e desde então venho vivendo
tão bem ou, ouso dizer
mais vivo que essa gente
tão miseravelmente,
saudável..

Sonho de um boicote de verão

Ruas alagadas
Tijolos arremessados contra as janelas dos orfanatos
Fina passagem, jardins nas descargas dos hóspedes
É um capricho secar as orelhas
Absolutos abandonados na teia de emergência
O ônibus atolou na porta de casa
Fiquei sabendo que roubaram um rim no Paraguai
Mas foi o típico momento de sabedoria altruísta
Bernini erotizou o pecado
É por isso que o mármore brilha molhado
Tenho pés em chamas
Meus cabelos crescem tão rápido
Que o calendário menstrua em duas luas
Sentado, com o peito suado
Ouço barulho dos talheres chocando-se
Ela canta uma canção que desconheço enquanto trabalha
Descarga na terceira janela do andar de cima
Já vi a antiga moradora de biquíni ali
Passando um creme amarelado nas pernas
Apareci de relance no espelho
Voltando do mercado com duas sacolas
Ela fez um biquinho no exato momento
Altruísta?!
Nesse dia paguei o aluguel adiantado
Bebi as sacolas
Ouvi em bom som pela janela sua conversa com a mãe pelo telefone
Que o tempo iria melhorar
A matrícula estava paga
E Reginaldo havia lhe dado um anel
Depois, enquanto eu tentava dormir
Ela dançava com Bernini
Ricocheteando seu gozo
Parei de respirar
E nunca mais a vi