Passado envelhecido ( XXVI )

Era só esperar janeiro chegar para Ramon não morrer mais sem suas palavras em um livro. Os textos escolhidos eram curtinhos, antigos e miseráveis, mas achei engraçado haver escritores piores que eu recusados. Se é que eles existiam, talvez meus textos fossem apenas pra completar a antologia, algo: “Tem cinco textos desse Ramon aqui, mas difícil achar um que preste”, “Não temos outra coisa pra colocar? Talvez uma receita de bolo”, “Poderíamos colocar uma receita de bolo e o colocar como autor. O que você acha?”, “Não sei, seria demais pra ele”, “Verdade. Então escolhe dois dele pra esse livro não virar best-seller”. Agora seria um autor publicado, pagando pra isso, mas publicado, o que me fazia acreditar que as coisas estavam acontecendo na velocidade certa.
Peguei um copo de café amargo e voltei lá fora fumar um cigarro. Comecei calcular quanto tempo faltava para o dia doze de janeiro. Não tinha pra quem vender livros, acabaria tendo que comprar todos. Faltavam sessenta e nove dias. R$ 400,00 reais eu precisava encontrar, em sessenta e nove dias. A noite pediria emprestado para outra pessoa que talvez me deixasse esquecer uns meses da dívida também, caso tivesse dinheiro, minha mãe. Ligaria um pouco bêbado, assim facilitaria pedir. O dinheiro não passa de um cabaço, se você tem, quer gastar, se não tem, fodeu. Embora odiasse essas situações de não conseguir fazer sobrar qualquer quantia do salário e ter que ficar dependendo da bondade dos outros, estava meio que decidido a lançar esses dois textos ou contos na antologia. Seria a maior conquista em termos literários que estaria conseguindo. Talvez alguém lesse e botasse fé. É sempre assim, quando você acha que fez uma grande merda, alguém aparece dizendo que nunca viu nada melhor, e eu achava aqueles dois textos uma grande merda.
Via meu futuro somente após o dia doze de janeiro, o dia em que publicariam dois textos meus em um livro, pela primeira vez minhas palavras estariam armazenadas em folhas, e isso duraria por gerações, uma filha, passando para sua filha, depois para seu filho, e sempre mais além “Esse é seu presente de aniversário meu filho, esse livro foi lançado no dia doze de janeiro de 2012, minha vó comprou, passou pra minha mãe e agora estou lhe dando de presente. Ele é muito bom, quase todo ele é bom, o pior autor é esse Ramon, reza a lenda que pagou para ser publicado, e o pior, pegou dinheiro da própria mãe pra isso e nunca devolveu, apenas evite essas duas páginas, se preferir, arranque fora para não sofrer com essa maldição que assombra nossa família por três gerações, minha mãe escondeu-me isso quando me presenteou. Por que você acha que nunca mais falei com sua vó? Eu te amo meu filho, não quero que sofra. Ou melhor, me dá aqui que eu mesma arranco e queimo”.
Bebi mais um tempo e liguei.
– Alo – ela atendeu.
– Oi mãe. Tudo bem?
– Bem e você?
– Bem. Comi uma sopa hoje.
– Aé?! Quem fez?
– Eu fiz.
– Huum.
– Preciso de R$ 400,00 emprestado.
– Pra quê?
– Quero comprar uma máquina de lavar. Vi o preço de uma baratinha, só preciso de R$ 400,00 pra completar. Te pago R$ 50,00 por mês.
– Não tenho meu filho. Vou receber o décimo terceiro em dezembro, mas preciso de um cinto protetor pra coluna. Não aguento mais de dor. Os anos esfregando o chão e a parede me arrebentaram as costas.
– Que dureza mãe.
– Pois é. Mas faz um crediário.
– É. Acho que vou fazer isso.
– Tem bebido bastante água? Meu médico disse que é bom beber pelo menos dois litros de água por dia.
– Dois litros de água por dia? Assim não há coluna que aguente.
– Tu é burro né piá. Bebe água!
– Sim mãe.
– Tá bebendo álcool e fumando ainda?
– Parei.
– Tá fazendo aquele curso ainda? Estuda!
– Sim. Alguns dizem que tenho o dom do marketing.
– Me dizia a mesma coisa aqui, e abandonou a universidade pra continuar sendo motoboy. Não tá estudando bosta nenhuma né. Tá só bebendo e fumando igual teu pai. Lembra o que aconteceu com ele né?! Meu Deus, tu é pior que ele.
– Sou escritor profissional agora. Vão lançar um livro meu em janeiro. Tem gente dizendo por aí que sou um gênio.
– Parou de estudar de novo! Não consigo acreditar! Gênio? Pra mim tu não passa de uma decepção.
– Pra mim também.
– Estuda piá!
– Tá mãe, tchau.
– Tchau.
Ainda tinha sessenta e nove dias.

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