Passado envelhecido ( XXVII )

Percebi alguns ninhos de joão de barro no prédio da frente, é uma coisa difícil de perceber, é uma daquelas coisas que você só percebe quando está de cueca na sacada pensando em prostitutas nas ruas sem saída, mas está cheio deles, por toda parte, e esses foram artistas, fizeram todos os ninhos num espaço mínimo, relacionando com aqueles que você só percebe quando observa um eletricista trocando a luz de um poste, eram quitinetes de argila, se eu fosse um joão de barro, alugaria uma dessas. Lembrei do que um carinha que trabalha comigo disse sobre eles uma vez:
– Sabia que um joão de barro fecha a casa dele com a esposa dentro se descobre uma traição?
– Quem te disse isso? Perguntei. Pensando se ele fazia isso para matá-la ou só pra fazê-la sentir um pouco do que sentia.
– Eu li em algum lugar – ele desconversou.
– Pobre joão, se soubesse a força a mais que essa danada ainda tem no bico, nem perderia tempo.
– É mesmo Ramon.
Mais tarde naquele mesmo dia, comentei isso com um vulgo entendedor de pássaros, que também trabalhava lá.
– Nada disso – ele  discordou – É mito. Acontece que são as abelhas que fecham o ninho e fazem uma colmeia quando eles vão embora do ninho.
– Afinal, o que esse chifrudo faz com a mulher então? Indaguei.
– Não sei.
– O que você faria?
– Bom. Acho que trancaria ela dentro com as abelhas.

Dentro de quinze dias recebi duas ligações incentivadoras, uma da minha mãe e outra de uma morena, em ambas às vezes estava paralisado, com a língua bordo e cada vez mais limitado. Ambos telefonemas estavam ligados à minha carreira literária precária. Primeiro minha mãe:
– Alo – eu disse.
– Tava fazendo o que?
– Tomando água. E você?
– Costurando umas calças do teu pai.
– Certo.
– Te liguei porque hoje um homem passou perguntando se alguém sabia de qualquer porão pequeno pra alugar. Veio de longe trabalhar numa hidrelétrica aqui perto e precisa. Falei que meu filho tinha, mas não sabia se queria alugar. Ele disse que vai voltar amanhã e pediu pra falar contigo. Pensei na tua máquina de lavar, acho uma boa pra ti.
Os dois textos escolhidos para a antologia foram escritos lá.
– Quanto tempo ele quer ficar? Perguntei cogitando a possibilidade de ser expulso daqui.
– Um mês só.
– Pode alugar. R$ 400,00 pelo mês.
– R$ 400,00? Ele não vai querer pagar tanto.
– Então mande-o morar dentro d’água. Preciso de R$ 400,00 pra máquina.
– Vou falar com ele. Te ligo quando tiver resposta.
– Ok mãe.
A outra ligação foi mais inesperada, não falava com essa morena devia fazer uns sete meses, o motivo havia sido Dóris e nossa coisa, ela era do Rio de Janeiro, Sally o nome dela. Contém um dos sorrisos mais equalizados que já vi, seus lábios movimentam-se uniformemente quando ri, abrem e fecham em sincronia profunda, como uma peça única, jamais vão para um lado ou para outro, os lábios superiores mantém a mesma velocidade dos inferiores, uma coisa de louco. Sua pele poderia ter inspirado um novo chocolate, um tanto amargo, um chocolate de limão, que anda, rebola e derrete alguma cueca. É uma fêmea impulsionada pelos dotes precisos, resumindo Sally, um tesão de mulher. Trocamos cartas certa feita, no início de 2011, ela primeiro contando uma parte de sua vida, após eu contando alguns fatos estúpidos e querendo ser engraçado, como qualquer homem excitado, pois sua carta vinha com seu perfume em todas as folhas, eu mesmo tinha pedido aquilo, na minha queimei com o cigarro algumas. Além da carta me enviou um conto que adorava e lia todo dia, “O cobrador”, do escritor brasileiro Rubem Fonseca. A carta dela foi mil vezes mais verdadeira. Segue pequenos trechos:

“Carta versão 2.0 – Parte 1

Querido Ramon,

Nunca sofri tanto para escrever uma carta. Ou talvez sempre tenha escrito péssimas missivas, mas só agora o senso crítico floresceu e me permitiu perceber a bosta que estou fazendo. A verdade é que não sou uma escritora nata, então perdoe meu caos e a letra pouco padronizada. A primeira versão, que chamo carinhosamente de 1.0, tinha quinze páginas, toda a minha vida e tédio, muito tédio. Se passar a limpo estava sendo uma tortura level medieval, imagina ter de lê-la. Por isso resolvi recomeçar. Me sinto mais confortável, literária talvez, acho que dessa vez vai.

Nascida a 25 de julho de 1987. Preta, feia, pequena e pobre. Comecei a aprender inglês com apenas três anos. O inglês me tornou muito popular na igreja”.

“Carlos e eu, ficamos nessa de vai e não vai por mais alguns anos. Ele veio a uma festa de aniversário minha um tempo depois e foi quando me beijou. Uma boca quente, macia, boa de morder. Em 2006 ele sumiu de vez. Casou eu acho. Já tentei encontra-lo, mas até o fechamento dessa carta nenhuma novidade. Às vezes me pergunto o que teria sido da minha vida se tivesse me apaixonado por ele. Era a pessoa certa. Será que muito do meu sofrimento seria evitado?”.

“Gilberto era o oposto do Carlos, que apesar de não valer nada (Descobri mais tarde), sempre foi mais respeitador. Na primeira vez que me viu não tirou os olhos dos meus peitos. Quanto a mulheres, bom, ele aparentemente não tinha preferências”.

“Considerações finais:
1 – Não demore a me responder tanto quanto eu demorei para lhe escrever.
2 – Vamos jogar xadrez por carta? Tipo os intelectuais.
Beijos Ramon!”

 Pois então, eu estava tentando dar procedimento no romance quando o telefone tocou:
– Alo – atendi.
– Pode falar?
– Posso.
– Não está casado ou alguma coisa assim?
– Sally?
– Sim. Tá casado ou não animal de rabo?
– Casado? De onde tirou isso?
– Você sumiu. Não ligou mais. Não atendeu o telefone por duas vezes. Deduzi isso.
– Vocês mulheres tem cada dedução. Como está? Como vão minhas coxas preferidas?
– Mais grossas que tua cabeça. Não quero falar delas. Anda ainda com a mania de ser escritor?
– Vou ter dois textos publicados na melhor antologia de 2012. Me disseram que é a única coisa que presta no livro. Consegue acreditar nisso?
– De forma alguma. Até hoje não li nada muito bom vindo de ti.
– Sally, Sally, um dia escreverei um romance incrível, e te farei um personagem de nome tão feio que as pessoas imaginarão você comendo fezes e pedindo carona de cueca.
– Pra isso é fácil, me chame de Ramon. E se alguém ler, o que acho difícil, nunca saberá quem é o personagem.
– Como estão minhas virilhas prediletas?
– Cala boca! Estou ligando porque vi um concurso que pode te interessar. O vencedor recebe R$ 5000,00, e o segundo colocado R$ 3000,00.
– Concurso de que?
– De contos. Três contos cada candidato. Acha que consegue?
– Ganhar ou escrever?
– Você pode participar. Vou te enviar um e-mail com as regras e o endereço pra onde remeter os contos.
– O que anda fazendo por aí?
– Estudando Física.
– Dureza.
– Era isso. Te mando o e-mail.

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