Cuspe na faca, parábola franca
Mão na boca, riso de hiena dois passos pra trás
Gotas do oceano no sal estomacal
Afundo e estico as pernas
No labirinto da rapsódia que pretendo escrever
Se o sopro esvaziar meus bolsos
Geléia de morango na boca
Pinta, uma pinta que mais parece o Coliseu
Visto da Lua
O som é o charme das estrelas
Essa névoa meu bem, é a distância que mantemos da corda
Duas portas, um destino
Cheiro diurético da grama
O gladiador corta a garganta
Com o estilhaço do espelho de Narciso
Mas já limparam a calçada
Sigo
Esse caminho entre os pinheiros
Cheio de armadilhas nas dobras das olheiras
O Sol tenta aparecer na sombra de um peixe
Vazio soberano, tinta fresca na ferida
Como dizem os mágicos: “Não é como, e sim quando?!”
Sêmenstério
Autor: Ramon Carlos
Tendão d’aqueles
Flechas presas na lapela
Antisséptico xilarmônico a produzir frieira nos calos do pé
Bicarbonato de sódio, um cão selvagem ladrou nos trilhos do trem
Mosca branca! Mosca branca!
Brada o vendedor de bananas, ao contar seu dia
Eu não ouço, eu leio lábios no espelho
No capim do Éden encontraram um torno mecânico
Risco infinito nos olhos de vidro do peixe
Costurar ácidos, traduzir um repolho
Afta de enxaqueca
Clima ameno
Libras rasgadas nos bolsos
Sísifo imprevisível no jokempô
Ferradura de unicórnio, cerveja sem álcool, explicar a piada
Calcanhar sólido na foto
Trair Barrabás com um beijo de língua
Acordar, somente
Sonambular
Nec spe nec metu
Hálito imaculado num bocejo de ferrolho
Já é tarde pra mastigar o pigarro
Veneno som que imita e tranca
A trinca que acasala sozinha
Sobre o isopor das maçãs verdes
Puniram-no
Pelo velho hábito de fazer serenatas
Após goles de água gelada
Gracejo
Já é tarde para reinventar as pernas flácidas
Da mulher colhendo amoras
Amoras que fazem tilintar
O miserável sapo de dente quebrado
Pobre Ugo, o sapo que ejacula farinha
E emoldurou uma lápide grande demais para seu nome
A galega com perfume de trigo
Cambaleou ao entrar no banheiro
Sussurrando o famoso lema:
“Sem esperança, sem medo”
Ugo antes de saltar pro brejo esbravejou:
“Sem herança, só medo”
Com a coberta em relva cinzenta
O poema não é mais poema
O poema já é tarde
Amanhã a trinca me acordará
Como alguém gritando:
“Sem esperança, só medo”
Meu hálito será de brejo
Meu ferrolho um bocejo
E meu gracejo uma mancha de amora
Lapidada nas pernas flácidas da mulher
Que nem sabe meu nome
O enredo da porta ao lado
A tampa da panela que cai
Dando voltas sobre a mancha
No azulejo frio e úmido do dia vinte
O forno do fogão inutilizado
Pela válvula protetora de gás para crianças
Mas nunca houve criança, nem costela assada
O prato quebra
Como inimigo público número um
John, João, o rato suplica um martelo na ratoeira
O vestido foi tingido pela empregada
Que misturou uma camiseta laranja nas roupas brancas
John, João, o rato ainda se debate com os dentes cravados no queijo
E eu ainda estou acordado
Porque minha toalha de banho 100% algodão
Esteve molhada desde ontem
Por que separar o garfo da faca?
Era sopa
O guardanapo terminou
Por limpar marcas de sangue nas frutas
Tem uma batata podre embaixo da pia
Eu ouvi, mas não falei
Os banhos são maravilhosos
Até gosto daquela música
Mas nunca cantaram até o final
Ou será que fui interrompido pelo carteiro sem botas?
John, João, Joana, Jô, Jó
Eu recolhi a batata
Terminei com o sofrimento do rato
E imaginei vocês
Em um transatlântico
Durante a manhã
Falando sobre o vizinho
Que nunca estava
Turvo
algumas intempéries configuram o abismo
como laranjas
rolando morro abaixo
uma ave partindo o vidro do avião parado
um chapéu levado pela correnteza
ou eu
sentado ao lado de mim
enquanto mim
não faz nada
Passado envelhecido ( XXX )
e lá estava Ramon,
um
dos piores escritores do mundo
bebendo e fumando
como se fosse um dos bons
Tetris
99% das mulheres
nem se dão conta que,
dormindo,
podem matar um homem
do outro lado do mundo
Passado envelhecido ( XXIX )
– Pega a chave lá com a moça Carlinhos – alguém disse.
Uma leve brisa passava por nós, movia algumas palmeiras, mas não chegava a ser frio. Logo o sol apareceria e tornaria nosso dia ainda mais peleado.
– É o vento sul esse – disse o motorista.
Concordei com a cabeça, mas não fazia nem ideia de onde ele vinha nem para onde ia. Sul, norte, leste, oeste, logo estaríamos fritando e carregando bugiganga. Acendi outro cigarro e aguardei, qualquer coisa, já imaginava a situação que estaria aquele depósito, e não estava gostando muito. No que o Carlinhos em posse da chave abriu o depósito só pude ouvir o tom de sua voz misturando-se com a brisa:
– Meu Deus. Estamos completamente fodidos.
Dois outros, Jair e Mario, se aproximaram da porta e bicaram lá dentro. Permaneci fumando escorado na caminhonete.
– Ai, ai ai – disse o Jair ao ver o que nos aguardava.
– Ihhh, lascou. Ramon, venha ver a cacalhada que arranjaram pra gente – completou o Mario.
– Já vou – respondi.
Podia ouvir alguns barulhos vindos de dentro do depósito, coisas sendo arrastadas, derrubadas, atiradas longe, desbravadas pelo cabeça de catuto Jair. Ele tem esse costume de se enfiar no meio das coisas, só pra ver se acha algo interessante pra pegar e olhar. Terminei o cigarro e parti para a porta que separava um dia incógnito de outro um tanto judiado.
– Achou alguma buceta aí dentro? Perguntei olhando pro Jair.
– To procurando – ele respondeu.
– Hei Ramon, olha isso. É um osso de elefante!
Visualizei o Mario metido em um canto do depósito. Segurava algo grande na mão e um cigarro na boca. Olhava pra mim e olhava praquele negócio grande, e assim sucessivamente, esperando que eu também ficasse entusiasmado com aquilo. Nunca tinha visto um osso de elefante, nem mesmo um elefante. Sei que são grandes por fora, mas isso não quer dizer nada.
– Isso aí não é um osso de elefante – falei.
– Claro que é. Vou jogar pra você ver de perto.
– Não quero ver.
– Segura aí – e jogou.
Peguei com as duas mãos. Parecia um osso mesmo, não sei do que. Olhei praquilo, olhei pra ele, que ainda esperava meu entusiasmo com o cigarro na boca.
– Isso aqui não é um osso de elefante – disse pra ele.
– Vai-te a merda. Tu não sabe nada de elefantes.
– O que vocês tão discutindo aí? “Vamo” trabalhar. Mandar tudo isso pra caminhonete logo – disse o Jair, ainda procurando algo de interessante pra olhar, agora por perto do Mario, se ali tinha um osso de elefante, então teria algo pra ele.
O Carlinhos tentava girar um moedor de cana situado bem no meio do depósito, mas sem sucesso. Forçava um pedaço de madeira para girar as engrenagens, elas não obedeciam seu impulso, ficaram travadas por tanto tempo que possivelmente elas mesmas duvidavam que alguém ainda moeria cana naquilo. Joguei no chão o osso de elefante. Muita coisa estranha tinha sido entulhada lá dentro. Bem perto da porta, uma carroça com diferentes tamanhos de balaios dentro, todos completos até a buzina com prateleiras de aço de alguma estante que não estava lá pelada. Havia quadros, cadeiras, protótipos com borrachas e funis entrelaçados com canos de cobre, um caiaque, gaveteiros, mesas, computadores, e poeira, muita poeira. O chão era de terra batida. Não seria um bom dia. Os outros três ainda olhavam pro lugar com os olhos de uma criança pobre deslumbrando vitrines. Fui o primeiro a colocar algo em cima da caminhonete. O motorista havia sumido desde que concordei que realmente era o vento sul. Joguei uma cadeira que tombou bem perto da cabine, depois um gaveteiro e um monitor de computador. Acendi um cigarro, não iria trabalhar sozinho.
– Ramon! Onde colocou meu osso de elefante?
– Enfiei na bunda Mario – respondi.
– É sério.
– Por que a gente não enche a caminhonete e vai embora disso aqui? – falei.
– Relaxa aí galego! Vamos ficar o dia inteiro aqui mesmo – esbravejou o Jair.
– Tu mesmo queria trabalhar agora a pouco cabeça de catuto. Não vai achar nada de bom aí no meio.
– Mudei de ideia. Tô cansado.
– É, relaxa aí galego. Vem aqui ajudar a mexer esse moedor de cana – disse o Carlinhos, com sua voz nada temperamental.
– Se querem saber, ontem trepei por R$ 20,00 e uma maçã.
Nenhum deles queria saber. Continuavam com a mesma cara doente, pareciam três naftalinas rolando de um lado pro outro atrás de tralhas. Mas quem queria trabalhar era eu, então quem era o doente? Joguei mais duas cadeiras ouvindo o som do cigarro queimando. Ts, Ts, Ts. Tentei erguer o maior balaio, sem chances, fui em outro um pouco menor, sem chances. Aproximei-me de um daqueles protótipos, e comecei girar um círculo de cobre bem no topo.
– Escutem aqui – falei – se vocês não começarem a empilhar isso na caminhonete, vou tirar o osso de elefante da minha bunda e enfiar na bunda de vocês todos.
– Hei galego, acho que consegui ajeitar isso. Vem aqui e vamos rodar pra ver como eles moíam cana – disse o Carlinhos naftalina.
– Vou aí te ajudar Carlinhos – disse o Mario naftalina.
– Vamos lá galego, só pra ver – completou o Jair naftalina.
Ramon naftalina foi girar o bagulho também, sem cana, sem moer nada, aquilo rodava e eu estava cercado por uma situação um tanto ingênua e aterradora. Estavam faceiros com aquilo, como se lamentassem por não terem tido uma única chance de moer cana como os antigos. O passado realmente cativa pelas singelas cruezas das coisas como eram.
– Tira o osso da bunda e vamos moer ele aqui galego.
– Não. Deixe-o ali.
Tentei o menor balaio, sem chances.
Passado envelhecido ( XXVIII )
Há seis meses não entrava naquele bar, e não sentia saudade nenhuma dele nem de qualquer outro, mas acontece que fui lá para simplesmente não beber, apenas observar o que acontecia. O motivo dessa distância que criei dos bares é simples, tenho em mim que beber é como rezar, só é verdadeiro em casa. Subi em torno de quinze degraus, até me deparar com um senhorzinho de cabelos brancos e óculos pequenos no final da escada, de braços cruzados. Com uma postura de estátua militar, sua função é recolher as fichas de papel carimbadas depois de pagas. Cumprimentei-o com displicência, só por educação, ele nem respondeu, o que me deixou realmente aliviado, aprecio muito o silêncio entre as pessoas. O bar permanecia quase que totalmente vazio, embora apresentasse várias opções, tais como: sinuca, fliperamas, músicas e um ambiente cheio de mesas de madeira com uma televisão acoplada no teto sempre no mudo. Resolvi sentar de costas para televisão, sentar e esperar, aos poucos apareceriam os outros e poderia observar o que acontecia. A garçonete veio até minha mesa e com a voz preguiçosa perguntou:
– O que vai querer?
– Por enquanto nada. Você pode pedir pro seu chefe diminuir um pouco o volume do som? Presumo que somente eu esteja ligando pra isso, mas está me impossibilitando de pensar.
Ela riu sarcasticamente. Até seu sorriso era preguiçoso.
– Não pede nada e ainda reclama? Vou ver o que posso fazer.
– Obrigado – agradeci.
Virou as costas e foi em direção ao balcão do caixa com sua bunda preguiçosa. Gesticularam um pouco, riram e nada mudou. Perseverei um pouco na concentração, então percebo que meus pensamentos não obedecem, parecem coisas pré-programadas, como um pacote de ideias que ficam se alternando. Como leigo, sei que não tenho cura, então procurei distrair-me. Comecei mexer as orelhas, aprendi sozinho e não ensino ninguém. Lembrei-me da inspiração que tive para dominar a técnica. Sentia inveja do Ricardinho da mercearia por um único motivo, ele conseguia mexer as orelhas. Tinha um domínio sobre o corpo que eu não tinha e fazia questão de expor sua habilidade todas as vezes que nos encontrávamos, geralmente pra jogar baralho no balcão da mercearia enquanto cuidava dos negócios do pai, um velho careca bom nos negócios e ruim como um câncer nas bolas, que não hesitava em humilhar o filho mais novo na frente dos outros. Ricardinho tinha dois irmãos mais velhos e sempre foi muito inteligente, improvisava motorzinhos minúsculos em brinquedos com rodas e fazia-os passear. Certa vez o fiz levar uma surra das grandes ao convencê-lo furtar umas latas de cerveja da venda para bebermos. O velho notou e marcou o coitado como gado. Tínhamos um ano de diferença, eu quatorze e ele treze. Com tamanha inteligência, sua mágoa era perder em todos os jogos de baralho pra mim. O que ele não sabia em tudo isso é que eu nunca ligava para o baralho, queria muito mesmo mexer as orelhas como ele. Irritava-me ser um humano incapaz de dominar o próprio corpo. Lembro que exaustivamente pedia dicas, e recebia sempre a mesma resposta: “Não sei explicar”.
– Como não sabe explicar Ricardinho? Desembucha.
– Não sei explicar mesmo. Funciona naturalmente.
– Suas orelhas pesam o dobro das minhas e se movem. Explica a mágica, quero aprender.
– Vamos jogar outra partida enquanto meu pai não desce aqui.
Ele não entendia o dom que recebera. Depois de uns dois anos Ricardinho operou as orelhas para parecer normal, nunca mais tocamos no assunto depois disso. Mas involuntariamente e com um lapso de habilidade corporal, aí pelos dezesseis anos atingi o nível que busquei desde os quatorze, e jamais retrocedi.
Então lá estava eu, mexendo as orelhas dentro do bar, faria isso até cansar, depois até doer e por fim até ter vertigens. Enquanto tentava alçar voo a garçonete voltou à mesa:
– Falei com o chefe, ele não vai diminuir o som.
Olhei-a sem deixar de mexer as orelhas freneticamente. Não falei nada.
– Ouviu? Perguntou.
– Percebe o que estou fazendo?
– Ouviu o que eu disse? O volume vai permanecer igual.
Já sentia o cansaço na parte traseira da cabeça. Algo como um amortecimento.
– Eu ouvi. Não olhe nos meus olhos, olhe minhas orelhas. Está vendo?
– O que tem suas orelhas? São normais.
– Não repita tal blasfêmia! Chegue mais perto, venha conferir a anormalidade.
– Conferir o que? Preciso trabalhar. Vai pedir alguma coisa agora?
Desviei a cabeça um pouco para o lado direito e acelerei os movimentos. Um lado da cabeça doía o outro não. Ricardinho ficaria orgulhoso da minha performance, propagava seu legado. Minha orelha esquerda estava ali, toda cheia de vida para a garçonete preguiçosa. Era esse o exemplo de que ela tanto precisava, uma orelha trabalhadora, fazendo sempre mais por mim, se pudesse beijaria minhas duas orelhas naquele exato momento. Com a mão direita puxei-a pra perto e falei:
– Olhe direito, pombas! Não consegue ver o show que estamos proporcionando pra você? Não presenciará algo parecido nas suas próximas cem vidas!
– Qual é cara? Me larga – esbravejou e deu um passo atrás.
Continuei a sincronia. Fiquei eufórico. Luxúria, canibalismo, excitação.
– ESTÃO SE MEXENDO, PORRA! VOU GOZAR!
Nesse instante levei uma bofetada na orelha tão forte que por pouco não me tornei acéfalo. Fez todo meu corpo apontar para o mesmo lado. Masoquista dos infernos. Pensei em matá-la, mas logo me vi mexendo as orelhas novamente com um sorriso malicioso. Era isso, minhas orelhas gostavam de apanhar, portanto dei inicio à uma sessão de tapas áridos. A garçonete ficou boquiaberta ao ver minhas intimidades desmascaradas com tamanha brutalidade. Entre tapas e beijos, é ódio, é desejo, é sonho, é ternura. A música alta não permitia ninguém ouvir os espasmos e contrações da possessão corporal anestésica que todos moribundos sentem, flagelos do acaso. Em meio às extravagâncias sem pudores consegui dizer numa voz bem preguiçosa:
– Você pode pedir pro seu chefe aumentar o som? Isso tudo ainda me mata.
Passado envelhecido ( XXVII )
Percebi alguns ninhos de joão de barro no prédio da frente, é uma coisa difícil de perceber, é uma daquelas coisas que você só percebe quando está de cueca na sacada pensando em prostitutas nas ruas sem saída, mas está cheio deles, por toda parte, e esses foram artistas, fizeram todos os ninhos num espaço mínimo, relacionando com aqueles que você só percebe quando observa um eletricista trocando a luz de um poste, eram quitinetes de argila, se eu fosse um joão de barro, alugaria uma dessas. Lembrei do que um carinha que trabalha comigo disse sobre eles uma vez:
– Sabia que um joão de barro fecha a casa dele com a esposa dentro se descobre uma traição?
– Quem te disse isso? Perguntei. Pensando se ele fazia isso para matá-la ou só pra fazê-la sentir um pouco do que sentia.
– Eu li em algum lugar – ele desconversou.
– Pobre joão, se soubesse a força a mais que essa danada ainda tem no bico, nem perderia tempo.
– É mesmo Ramon.
Mais tarde naquele mesmo dia, comentei isso com um vulgo entendedor de pássaros, que também trabalhava lá.
– Nada disso – ele discordou – É mito. Acontece que são as abelhas que fecham o ninho e fazem uma colmeia quando eles vão embora do ninho.
– Afinal, o que esse chifrudo faz com a mulher então? Indaguei.
– Não sei.
– O que você faria?
– Bom. Acho que trancaria ela dentro com as abelhas.
Dentro de quinze dias recebi duas ligações incentivadoras, uma da minha mãe e outra de uma morena, em ambas às vezes estava paralisado, com a língua bordo e cada vez mais limitado. Ambos telefonemas estavam ligados à minha carreira literária precária. Primeiro minha mãe:
– Alo – eu disse.
– Tava fazendo o que?
– Tomando água. E você?
– Costurando umas calças do teu pai.
– Certo.
– Te liguei porque hoje um homem passou perguntando se alguém sabia de qualquer porão pequeno pra alugar. Veio de longe trabalhar numa hidrelétrica aqui perto e precisa. Falei que meu filho tinha, mas não sabia se queria alugar. Ele disse que vai voltar amanhã e pediu pra falar contigo. Pensei na tua máquina de lavar, acho uma boa pra ti.
Os dois textos escolhidos para a antologia foram escritos lá.
– Quanto tempo ele quer ficar? Perguntei cogitando a possibilidade de ser expulso daqui.
– Um mês só.
– Pode alugar. R$ 400,00 pelo mês.
– R$ 400,00? Ele não vai querer pagar tanto.
– Então mande-o morar dentro d’água. Preciso de R$ 400,00 pra máquina.
– Vou falar com ele. Te ligo quando tiver resposta.
– Ok mãe.
A outra ligação foi mais inesperada, não falava com essa morena devia fazer uns sete meses, o motivo havia sido Dóris e nossa coisa, ela era do Rio de Janeiro, Sally o nome dela. Contém um dos sorrisos mais equalizados que já vi, seus lábios movimentam-se uniformemente quando ri, abrem e fecham em sincronia profunda, como uma peça única, jamais vão para um lado ou para outro, os lábios superiores mantém a mesma velocidade dos inferiores, uma coisa de louco. Sua pele poderia ter inspirado um novo chocolate, um tanto amargo, um chocolate de limão, que anda, rebola e derrete alguma cueca. É uma fêmea impulsionada pelos dotes precisos, resumindo Sally, um tesão de mulher. Trocamos cartas certa feita, no início de 2011, ela primeiro contando uma parte de sua vida, após eu contando alguns fatos estúpidos e querendo ser engraçado, como qualquer homem excitado, pois sua carta vinha com seu perfume em todas as folhas, eu mesmo tinha pedido aquilo, na minha queimei com o cigarro algumas. Além da carta me enviou um conto que adorava e lia todo dia, “O cobrador”, do escritor brasileiro Rubem Fonseca. A carta dela foi mil vezes mais verdadeira. Segue pequenos trechos:
“Carta versão 2.0 – Parte 1
Querido Ramon,
Nunca sofri tanto para escrever uma carta. Ou talvez sempre tenha escrito péssimas missivas, mas só agora o senso crítico floresceu e me permitiu perceber a bosta que estou fazendo. A verdade é que não sou uma escritora nata, então perdoe meu caos e a letra pouco padronizada. A primeira versão, que chamo carinhosamente de 1.0, tinha quinze páginas, toda a minha vida e tédio, muito tédio. Se passar a limpo estava sendo uma tortura level medieval, imagina ter de lê-la. Por isso resolvi recomeçar. Me sinto mais confortável, literária talvez, acho que dessa vez vai.
Nascida a 25 de julho de 1987. Preta, feia, pequena e pobre. Comecei a aprender inglês com apenas três anos. O inglês me tornou muito popular na igreja”.
“Carlos e eu, ficamos nessa de vai e não vai por mais alguns anos. Ele veio a uma festa de aniversário minha um tempo depois e foi quando me beijou. Uma boca quente, macia, boa de morder. Em 2006 ele sumiu de vez. Casou eu acho. Já tentei encontra-lo, mas até o fechamento dessa carta nenhuma novidade. Às vezes me pergunto o que teria sido da minha vida se tivesse me apaixonado por ele. Era a pessoa certa. Será que muito do meu sofrimento seria evitado?”.
“Gilberto era o oposto do Carlos, que apesar de não valer nada (Descobri mais tarde), sempre foi mais respeitador. Na primeira vez que me viu não tirou os olhos dos meus peitos. Quanto a mulheres, bom, ele aparentemente não tinha preferências”.
“Considerações finais:
1 – Não demore a me responder tanto quanto eu demorei para lhe escrever.
2 – Vamos jogar xadrez por carta? Tipo os intelectuais.
Beijos Ramon!”
Pois então, eu estava tentando dar procedimento no romance quando o telefone tocou:
– Alo – atendi.
– Pode falar?
– Posso.
– Não está casado ou alguma coisa assim?
– Sally?
– Sim. Tá casado ou não animal de rabo?
– Casado? De onde tirou isso?
– Você sumiu. Não ligou mais. Não atendeu o telefone por duas vezes. Deduzi isso.
– Vocês mulheres tem cada dedução. Como está? Como vão minhas coxas preferidas?
– Mais grossas que tua cabeça. Não quero falar delas. Anda ainda com a mania de ser escritor?
– Vou ter dois textos publicados na melhor antologia de 2012. Me disseram que é a única coisa que presta no livro. Consegue acreditar nisso?
– De forma alguma. Até hoje não li nada muito bom vindo de ti.
– Sally, Sally, um dia escreverei um romance incrível, e te farei um personagem de nome tão feio que as pessoas imaginarão você comendo fezes e pedindo carona de cueca.
– Pra isso é fácil, me chame de Ramon. E se alguém ler, o que acho difícil, nunca saberá quem é o personagem.
– Como estão minhas virilhas prediletas?
– Cala boca! Estou ligando porque vi um concurso que pode te interessar. O vencedor recebe R$ 5000,00, e o segundo colocado R$ 3000,00.
– Concurso de que?
– De contos. Três contos cada candidato. Acha que consegue?
– Ganhar ou escrever?
– Você pode participar. Vou te enviar um e-mail com as regras e o endereço pra onde remeter os contos.
– O que anda fazendo por aí?
– Estudando Física.
– Dureza.
– Era isso. Te mando o e-mail.