Esqueleto placebo
Carne de fumo
Defumo o esqueleto
Ensebo a carne
Palito um dente
Alho poró
Falho nos poros
Dente de leite
Leite pra litro
Carne seca
Carne defumo
Placebo ensebado
Espaço de dança
Pele de litro
Ex-passo de dança
Dente de alho
Poros de vidro
Ensebo o palito
Leite de fumo
Esqueleto poró
Por ora, por horas
Autor: Ramon Carlos
Posfácio
A máquina de escrever vibrando
Como estalos de sonetos com chocalhos de cobre
Como o gado em linha reta
O anônimo desapareceu, juntamente
Com sua suposta falha
A máquina de escrever e uma poltrona virada
Adega fermentando caretices carcerárias
Fermentando o fino grau de possibilidades engarrafadas
Sorriso frio
De lenha queimando
As costas brilhando feito talheres turcos
Espaldar domesticado como bolas de boliche
“Até que enfim, até que enfim”
Batons fritando nas bituqueiras
“Ao acaso, ao acaso”
Melodias dissipando nuvens de ternura hostil
O anônimo voltou
A máquina de escrever soa como um trem partindo
Ninguém se atreve averiguar
Embalados pela viagem, a próxima estação, quem sabe outra
O aceno de mão trocada, adeus mamãe!
“Claro, claro, já comi pinguim”
Pés encharcados na dúbia ação premeditada
O equívoco é um belo canário
Cagando e cantando no ombro
O anônimo desapareceu, juntamente
Com sua suposta folha
“Chaplin mergulhava o pau no iodo por medo da sífilis,
E sua amante regozijava: Lá vem Charlie e sua espadinha vermelha”
Uma escada, depois outra, depois outra
A caixa d’água, finalmente
Sons que trepidam o silêncio alcalino das violetas de plástico
Fósseis pendurados nos varais
Jogatina de estômago cheio
“Meu pequeno príncipe, meu pequeno príncipe”
A noite escolheu seu dia
Para dormir descoberta
Retalhos, atalhos, cascalhos
Hoje vim celebrar
O covarde fantasma coalhado
Que em traje engomado
Atraiu o ex-pirito
Traiu o espírito
E em riste triste, obelisco
Rosto desfigurado sem placa
O belisco
Nos sonhos de dândis
Hoje vim sortear
A pele vermelha da boca
Rasgo sem direção
Na avenida que era poesia
Mas tornou-se prosa
Poetas coraram
Ao ver o laço negro
Que a envolvia
Devolvia
Um pouquinho do que era vida
Na não vida
Perdeu-se
O louco pediu dose dupla
Unidade
Poesia silenciosa
Prosa barulhenta
“as estrelas gemem como numa contorção fatal
o calor de mil agulhas quentes transpassa corpos esguios
os homens sozinhos afiam suas facas em meio às florestas de coágulos de
luz”
“O dia de hoje é um dia atrasado de amanhã
O tempo me persegue três voltas à frente
Horas mentem
Minutos complicam
Segundos bastam
Meses atrás estarei lá
Ano que vem perdi sabe-se lá quando
Séculos vendidos como macarrão instantâneo
Julho não viu o verão
Júlio bronzeou-se no inverno
Judite quer um calendário A.C
Judas prefere feriados D.C
Francisco deseja um Chevette
E o ponteiro do porteiro quebrou
Onde estarão eu’s a partir de nunca?”
Sobre nada
Mesmo que o grão disseminado
Conteste a singularidade do plantio
E a terra em desuso
Combata o florescer obscuro
Delírios ácidos acentuarão
Debalde, a irrigação nos poros
Latentes em cada movimento
Mesmo que imortalizar os vícios
Signifique simpatizar a paranoia
Ramas plácidas infinitas
Ainda codificarão o instinto
E os pressupostos doutrinarão a culpa
Se os sapos tivessem asas
Não bateriam com o traseiro no chão
Sempre que pulam
Mesmo que as pupilas dilacerem o razoável
E as bigornas sirvam de peso para papel
Alguma coerência ainda restará
E vibrará como uma víbora
No forno aceso
Jogar fora a própria vida
Significa usá-la da melhor forma
Mesmo que confrontar medo com medo
Seja um blefe da consciência
A confusão enrijece o apetite
Por tudo que se ganha sem razão
Admita que sempre foi hipócrita!
Sendo hipócrita, como posso admitir?
Ousar ou usar
Se em qualquer momento da minha vida
Eu depositar toda minha esperança em alguém
Então podem ter certeza
De que perdi a esperança
Mesmo que nada seja atributo de tudo
Tudo que se escreve sobre nada
Sobretudo
Sobre nada, esse poema
Não quer dizer tudo
Um peixe de sobretudo
Nada nada
Em seu aquário
vivendo em vórtex
um muro
pula
se pendura com as pontas dos dedos
ergue-se com dificuldade
espia
sacode as pernas até subir
olha o horizonte
com pose de estátua
salta
corre segurando a chave no bolso
tilim tilim tilim
tem moedas na carteira
outro muro
acende um cigarro
repete o feito do muro anterior
outra estátua cinco minutos mais velha
olha embaixo dos pés
tem um curativo ortopédico grudado no sapato
retira, gruda as moedas e a chave
para cessar o barulho
salta
corre piscando um olho só
outro muro
outra estátua
outro cisco
outro oponente de mesmo nome
pergunta
por acaso não nos vimos já no décimo primeiro muro?
que muro?
ultrapassa
sabe onde quer chegar
corre, corre, corre…e espia
pensa
se Deus existe é problema dele
Poemarcenaria
Quando as veias apertam
O martelo bate o sino
E o sol nasce
Gracioso
Como borboletas no sal grosso
Quando as veias rasgam
O escárnio é doce
Como um favo leproso
E o sol se põe
Entre mercadorias baratas
Sócrates suicidou-se por acreditar na justiça
Jesus pensou tanto crucificado
Que coagulou sangue na boca
Vestígios nos sons do telhado
Morte lenta a criar raízes
Nas marmitas do absurdo
Teatro de uma cena congelada
Piada contada em bocejos
A lua nasce dentro de um chupão
Navega nas cerâmicas do peixe
E ri nos relâmpagos de um vulcão
A pena
Há pena
Apenas
Casacos cheios de furos dos cigarros
Consórcios
Com sócios
Labaredas do suicídio coletivo
O papagaio grita:
“Existe vida na gaiola, existe vida na gaiola, existe vida na gaiola”
Novamente o despertador é programado
E se acorda um minuto antes
Do poema
Os Certões
Eu clides
Tu clideis
Ele clide
Nós clidamos
Vós clideies
Eles clidam
Um crucifixo no lugar dos ponteiros do relógio é capaz de dar doze horas diferentes
Assim como a sombra ofusca um homem
A noite, insegura, desnuda o dia
Ecos da geladeira, olhar periférico do matador de baleias
Atirador de facas abduzido por uma tribo indígena
A piedade é carne de lobo
As unhas do quati rasgam o cão em três pedaços
– Ramon, por que não joga mais cacheta?
– Porque só perco dinheiro
– Lembrei ontem à noite da piada que fez com o pino de boliche
– Qual?
– Que ele é tão baixo que só consegue colher abacate de helicóptero
Acabei aqui, com uma lanterna na mochila
E por diabos, o melhor poema que ouvi hoje não existe
Sobre um cara que conserta canos e cheira merda quinze horas por dia
Continuam sussurrando palavras de amor na minha parede
Os cantores deram uma trégua
Agora discutem contraindicações de inseticidas
Enquanto uma barata corre até mim como se fosse à mensageira
Continuam sussurrando palavras de amor na minha parede
Ganhei a lanterna e a mochila
Roubei uma carta do baralho
Um Ás de copas
Pelo dinheiro perdido
Estou de folga amanhã
O poeta que declamou o poema do encanador que não existe
Usava óculos e tinha uma gargalhada peculiar
Daquelas que é difícil existir
Vou pedir inseticida emprestado
Vou iluminar com lanterna todos bichos antes de matar
A noite, insegura, desnuda o dia
Depois guardarei na mochila
O melhor poema que ouvi hoje termina assim:
“Flertei com dez mulheres
E todas disseram:
Sim, sim, mamãe quer seu filho menos triste amanhã”
– Ramon, o pino pediu transferência de posto
– Vai pra onde?
– Trabalhar de segurança na creche
– Sim, sim
– Ramon, é bem difícil a tainha vir pelo sul
– Sim, sim
Nem um mísero par na cacheta
Ás, 3, 6, puto, puto, dama, 9, 3 dobrado, 6 dobrado
Assim como a sombra ofusca um homem
Continuam sussurrando palavras de amor na minha parede
E eu não consigo decifrar
De qual lado chegam essas vozes
Estou de folga amanhã
Atirarei facas em um índio
Caso não me ensine
Abduzir baleias
Complexo de empatia
Uma repórter foi fazer uma entrevista no hospício, e encontrando um paciente conversando com uma árvore no meio do pátio, para e pergunta ao louco:
– Sinceramente, pensa comigo agora, você não acha maluquice um ser humano conversar com uma árvore?
E o paciente responde:
– Maluquice seria se ela não estivesse respondendo.
Depois, em uma sala fechada pede para outros seis pacientes escreverem qualquer coisa numa folha de papel em branco:
Lucidez
Nove meses abra os olhos
Independente do que ver e verá
Os sorrisos não são falsos ali
Não é tempo de se preocupar
Que coisa linda é o que dizem de ti
A bondade estampada em si
Um fantoche bem cuidado
Em anos vira zumbi
Obedecer, se defender, criar seus próprios momentos de lucidez
Geralmente é algo passageiro
Tornando visões reais
Ao seu jeito e ao seu modo de ver
Você ainda é capaz de
Obedecer, se defender, criar seus próprios momentos de lucidez
Histórias Contadas
As luzes se apagaram na escuridão
Escondeu nosso tesouro na imensidão
Distante uma milha da visão
Bem perto da nossa imaginação
Histórias contadas
Não me diga porque eu não quero ouvir
Que tudo tem um fim
Que armaram isso pra mim
Tenho meus medos
Sei resolvê-los, prefiro assim ficar calado, ouvindo besteiras
Nem um pouco preocupado
Porque se eu paro pra pensar, sem querer falar
Meu tempo é que é desperdiçado
Histórias contadas
No silêncio da decisão
Eu lamento minha cabeça, e o que ela vê e o que ela pensa, na maioria é superficial
Vejo pessoas diferentes, com um olhar indiferente para um mundo ideal
Não preciso ser um herói pra resolver a situação
Para que continuar fingindo, só aumenta a confusão
Uma tortura inevitável e um sentimento que foi guardado no silêncio da decisão
Uma loucura interminável, uma batalha com a realidade que não tem um vencedor
Um ser humano só fica louco quando perde a razão
A liberdade esfria a mente e espera reação
Minha ideia segue em frente, será que devo estar contente é tão difícil de conter
A rotina me consome, um sinal que me interrompe, é muito cedo pra parar
Um ser humano só fica louco quando perde a razão
A liberdade esfria a mente e espera reação
Cometer os mesmos erros
Atitude, ousadia, primeiro mundo me desafia
Somos incapazes de encarar a realidade, cada um vive sua história
Cada um vive na sua cidade
É hora de amar, é hora de gozar, pois a vida é uma só
Medo de poder, medo de querer, medo de curtir
Medo de viver, medo de morrer, medo de agir
Não faça o que te disse, curto suas maluquices
Pois ninguém é obrigado a concordar com tudo
Falar besteiras, fazer asneiras, criar intrigas
Cometer os mesmos erros
O idiota renasceu
Hoje eu vou parar, preparado pra nascer
O idiota renasceu
Sempre tão vulgar, e insano, o idiota aqui sou eu
Rindo das mesmas piadas que um dia eu quero ouvir
Me sentindo importante quando eu sou o imbecil
É fácil, é simples, difícil de manter
Eu sou mais um comum
Rindo das mesmas piadas que um dia eu quero ouvir
Me sentindo importante quando eu sou o imbecil
Agora eu sei
Viajando num sonho eu vejo você
Mas quando estou por perto não consigo entender
Você e os seus problemas e o mundo em vão
Mentiras, bobagens, destruição
Agora eu sei, você que quis assim
Agora eu sei, o mundo não é tão ruim
A vitória é que faz um campeão
Viver de mentiras é pura ilusão
Você e seus costumes de fugir de mim
Não da nada, eu prefiro assim
Agora eu sei, porque tudo parece normal
Agora eu sei, faz tudo ficar igual
Brigas e gritos não adiantam não
A corrida está acabando e todos querem ser o campeão
Um segundo perdido já é motivo pra chorar
E quando o certo já não é mais certo, é porque o fim está pra chegar
Talvez para mim, talvez pra você
Não é fácil assim, mas da pra entender
Negação é tão grande, faz você se assustar
E o perigo que se expande, já é motivo pra se arriscar
Poema para o velho piparote que habita a imaginação, e um dia, quem sabe, tornará real a evidência, que a dor é o sintoma da cura, e os sonhos mais profanos nos aproximam de Deus
Você percebe
Que não se importa mais
Com os outros
Quando acordar,
Por tanto tempo sozinho
Não te afeta tanto
Quanto observar a pia da cozinha entupindo
Lentamente