propenso à poeira

três anos de vida
três livros vendidos
fluindo rio abaixo
em meio aos fluidos
de suspeitosa corrente
abro hoje este livro
aberto tão pouco
por quantos?
confesso, pouca
ou nenhuma
diferença o faz
quando o leio mais
uma vez e talvez
feito primeira
ou última
que o faça
que o sinta
são apenas certezas
de que desde sempre
desde o nascimento
de nós, e de toda
verdadeira tragédia
tudo está e tudo continua
inerentemente
propenso à poeira

Paralisia

Estandarte a rodar pelas dimensões
O riso tragado em nossos olhares
Que se cruzavam como filamentos em papel picado
A transcendência transmitida pelo éter
Que escorria junto ao suor do corpo ao lado
Nas sombras dos cigarros, éramos uma fumaça só
E a bela noite, purgatório anônimo
Onde juntamos nossos lábios e genitais
Feito Heloísa e Abelardo em uma queda de avião
Dançamos e desafiamos a morte que já conhecíamos
Os tolos não entenderam a falácia que cantamos
Não perceberam que nossa glória palpitava na jugular
Enquanto cingíamos nossa simbiose transgressora
Com vozes roucas, ouvindo a harpa de Nero
Apenas por gentileza bucólica  
Compartilhamos o cheiro da grama
Rolamos em busca do triunfo
Acesos como o Farol de Alexandria
Até que o som retumbou na concha
Então,
Iluminamos a Lua com velas roubadas
Seus cabelos enroscaram em meus dentes
Chamei-lhe de Medusa
A chuva veio, você subiu em minhas costas
Cavalgamos pelas calçadas esburacadas
Seus gritos ainda roucos:
Hoje não! Hoje não!
Nada de piolho em buraco de agulha!
Nada de chinelos em cruz!
Assim, finalmente
Descobri
A eternidade

Poema com febre

Assim como o sopro
A dança, o tombo
Nenhum caminho
Suor lícito na véspera de um dia inacabado
Colo eterno
Telha solta
Barbante na ponta do lápis
Amanhã sim, o desabrochar dos lírios em terra morna
Nenhum caminho
Verbo em papel molhado
Cólon terno
Blefe benzido
Arte que mata arte
Arte que mata Marte
Arde o fardo de um coma induzido
Nenhum caminho
Assim como o corpo
A fatia, o sopro