E seus velhos amigos, como estão?

Pareceu uma boa ideia reunir a velha turma da escola para um reencontro, fazia anos que a maioria não tinha nem ao menos se cruzado para um simples:

“Olá, como anda a vida velho amigo?”

A grande parte de nós tinha dividido as salas de aula do colégio estadual Antônio Morandini por dez ou onze anos, seria ótimo reencontrá-los, quem sabe relembrar algumas das histórias cômicas que compartilhamos naqueles bons tempos.

Todos nós éramos da época em que o colégio tinha duas entradas principais.

A lateral, destinada aos alunos, tinha um grande portão enferrujado sempre aberto e um largo corredor de brita que nos conduzia até a “área coberta”, que abrigava a maiorias das salas de aula, cozinha e biblioteca.

Nesse trajeto era possível observar a grande estrutura que sustentava a caixa d’agua, lugar de encontro de jovens casais, provando o primeiro gosto do amor, ou de um simples beijo escondido que seja.

Ao lado direito as 3 imponentes quadras esportivas, uma reservada ao futebol e ao basquete e outras duas ao voleibol, esporte preferido de toda a escola. Nenhuma das quadras eram cobertas, seu piso era de um cimento áspero, responsável por inúmeros “ralões” principalmente dos mais desastrados como eu!

Já a porta da frente era reservada exclusivamente aos pais e professores. Tinha um portão sempre bem pintado e uma bela campainha.

Esse acesso dava direto na área coberta, tinha um piso de cimento batido vermelho, sempre limpo e lustrado com cuidado pelas tias, responsáveis também por nosso lanche.

As paredes pelo caminho decoradas com quadros antigos, dos primeiros professores e turmas a se formar no querido Antônio Morandini.

De tempos em tempos alguns dos alunos mais corajosos, rebeldes ou mal-criados, como preferirem, se aventuravam em deslizar apenas de meia pelo lindo chão lustro e vermelho, aquilo virava um espetáculo à parte nos recreios, lembro como vibrávamos a cada manobra radial pratica por eles.

Mas aquilo não demorava a acabar, e quase sempre após alguns minutos os malandros, como eram chamados pela orientadora pedagógica, eram pegos e levados à secretaria, ou para refletir sobre o acontecido ou para assinar o livro negro em caso de reincidência.

As mesmas orientadoras pedagógicas eram responsáveis em montar as turmas, na maioria das vezes formadas ainda na primeira série, que por muitas vezes compartilhavam a mesma sala até a formatura no “terceirão”, tirando claro os poucos repetentes que ficavam pelo caminho, ou aqueles que o pai tinha perdido o emprego e precisavam se mudar.

A grande maioria dos pais, assim como o meu, tinham conseguido emprego no frigorífico do bairro, e firmado residência em seu entorno, isso facilitava essa jornada de estudos conjunta que vivenciarmos, eram outros tempos, onde trocar de emprego, ou “sujar a carteira” como eles mesmos diziam era considerado praticamente um pecado. Árvore que muito muda, não cria raízes!

Lembro das poucas vezes que alunos eram trocados da turma A para a B, realmente eram exceções que ninguém nunca soube ou saberá o real motivo.

Para minha tristeza uma dessas trocas ocorreu com meu melhor amigo, no primeiro dia da nova e assustadora quinta série.

Lembro como éramos inseparáveis desde o primeiro ano, foi o primeiro amigo que dormiu na minha casa, e o primeiro a oferecer pouso para mim longe dos seios de minha mãe.

Nos destacávamos na maioria dos esportes, tínhamos boas notas, era a primeira vez na minha vida que assumia um certo protagonismo em algo, e justamente agora que começamos a falar sobre as meninas mais belas da escola, que iriámos disputar os esperados jogos escolares e representar nosso querido colégio, por que agora?

Nunca ficamos sabendo, simplesmente o nome dele foi chamado, juntou seu material e saiu da sala sem questionar ou olhar para alguém.

Parece que posso sentir agora mesmo o frio na espinha que senti ao vê-lo saindo pela porta de metal da nossa sala, agora oficialmente ele era um aluno da quinta B.

Com o passar dos dias estreitei novas amizades na sala de aula, assim como ele na dele, ao nos cruzarmos pelo recreio parecíamos apenas velhos conhecidos, fazíamos um aceno com a cabeça e passávamos direto, com aquela sensação de culpa sem ao menos saber qual teria sido nosso crime.

Os restantes dos anos até a conclusão da oitava série não reservaram muitas surpresas, a grande maioria da turma A tinha ótimas notas, ninguém ficou pelo caminho e dos vinte e cinco ou trinta colegas que iniciaram a quinta seria ao menos noventa porcento concluiu a oitava juntos.

Agora um novo desafio estava por vir, os três desafiadores anos de ensino médio. A escola reservou apenas turmas à noite, do primeiro ao terceiro ano do segundo grau.

Nessa época tivemos algumas perdas, de alunos que os pais preferiram colocar em escolas com turmas diárias, ou escolas particulares para garantir um melhor vestibular logo à frente.

Foi então que as turmas A e B foram unificadas, e montamos agora um grande primeiro ano, com aproximadamente quarenta alunos.

Esses três anos foram, sem sombra de dúvida, os melhores anos que o bom e velho Antônio Morandini pode reservar.

Absolutamente não houve repetições, ou alunos que deixaram nossa turma para mudar de escola. Havia claro algumas turmas dividias dentro da turma.

As meninas da frente, sempre com as melhores notas e a admiração das professoras, a turma do meio, onde eu me inseria, que era um pouco nerd e um pouco “turma do fundão”, eu gostava de circular pelos dois meios, em aulas mais tranquilas como artes, ou educação física, não tinha escrúpulos e me reunia com o “fundão” para fazer confusão, já nas aulas de física, química ou matemática me aproximava da turma da frente, podendo assim aproveitar um pouco dos seus conhecimentos e tentar passar de ano sem recuperação.

E assim foi, assim como eu, nenhum de meus colegas repetiu de ano, e podemos fazer uma singela formatura, daquelas que tem homenagem aos pais, onde cada aluno entra com uma música da sua escolha, a minha foi uma do Green Day.

Aproveitamos aquelas horas como um ritual de despedida, de alguma forma parecíamos saber que aquele final de noite era o término de um ciclo, estávamos saindo de meros adolescentes para entrarmos na vida adulta, trabalho, faculdade, relacionamentos.

E, desde então, a grande maioria de nós não tinha mais se visto, e se isso acontecia, um breve aceno com a mão ou com a cabeça era a única expressão de carinho demonstrada.

Em dois mil e dezenove completamos quinze anos de formatura, eu e o único amigo que me restou daquele tempo, que se tornou um irmão, confidente, ou seja lá qual for o adjetivo carinhoso que posso expressar a ele tivemos a ideia de reunir a velha turma para uma almoço.

As redes sociais e aplicativos de conversa facilitaram muito a organização do evento.

O local escolhido foi a casa daquele velho amigo que há tempos atrás por força do destino foi retirado de perto de mim, ele morava na antiga casa da família que era em frente ao colégio.

Conseguimos juntar algo em torno de vinte velhos colegas, todos homens, as mulheres, quase todas já casadas e com filhos declinaram ao convite.

A carne seria comprada e dividida igualmente, a bebida foi patrocinada por um dos antigos colegas, e quem não bebia cerveja poderia levar o que bem entendesse. Apenas um levou uma garrafa de vinho fino, não faço ideia de quanto ele pagou, mas tenho a certeza de que ele queria passar a impressão de que sua vida nesses últimos quinze anos tinha sido farta.

A grande maioria engordou, alguns perderam cabelo ou estavam fortes como bois!

Assumi a churrasqueira, algo que gosto na maioria das festas que sou convidado, fartos espetos de carne com imensa variedade, naquele momento só me passava pela cabeça, que o responsável em comprar a carne queria passar a impressão de que sua vida nesses últimos quinze anos tinha sido farta.

Eu só pensava se meus quarenta reais trocados seriam suficientes para pagar a minha parte.

Após o almoço, a grande maioria permanecia calada, olhando o celular, como se fossemos estranhos que se encontravam pela primeira vez ali, naquele exato lugar e momento.

Tentei quebrar o gelo com algumas piadas infames que são minha característica, como o fato de um de meus antigos colegas ter perdido o dedo indicador da mão direita, e o indaguei qual era sua estratégia para mijar depois de tamanha perda.

De um por um, fomos contando como tinha sido nossa vida nesses últimos quinze anos, quando chegou na minha vez tive a impressão de que contei vantagem da minha vida nesses últimos quinze anos, e como ela tinha sido farta.

Aos poucos, um a um começou se despedir, alguns tinham outros compromissos, sejam profissionais ou familiares, e o reencontro se deu por encerrado às dezesseis horas.

No calor do momento combinamos marcar um novo almoço em breve, mas para falar a verdade nosso grupo de mensagem desde então não teve sequer um bom dia.

Todos devem ter tido a mesma sensação de que eu: existem coisas que devem ser mantidas apenas naquele lugar, destinado as boas lembranças e só.

Hoje prefiro relembrar das histórias daqueles velhos amigos que me acompanharam por todos aqueles anos no nosso bom e velho Antônio Morandini, e coloquei aquele reencontro naquele lugar reservado às memórias que nunca queria que tivessem sido formadas…

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