o cabra bebe mais que a cabra
que béééééééébe
e se pega pensando
no quanto tá fodido – digo
tá cada dia mais preguiçoso
barrigudo, lento, dolorido
ordinário, pestilento
descabido.. anda sem
apetite para as tais coisas da vida
coisas que deveriam animar
como beber sozinho ou ao menos
trepar, não ousando dizer
amar.. já não se recorda a data
do último banho e não se importa
arrota mais alto, peita molhado
enquanto espia os gatos lá fora
brincando sem saber sua idade
e se soubessem também,
dormiriam aquém? não
tem nenhum sentido mas funciona
por exemplo, quando você se pega
lembrando daquele inverno
onde hibernou e de fralda
não precisou se levantar
para nada.. ah, boas fraldas
aquelas..
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Passado envelhecido ( XXVIII )
Há seis meses não entrava naquele bar, e não sentia saudade nenhuma dele nem de qualquer outro, mas acontece que fui lá para simplesmente não beber, apenas observar o que acontecia. O motivo dessa distância que criei dos bares é simples, tenho em mim que beber é como rezar, só é verdadeiro em casa. Subi em torno de quinze degraus, até me deparar com um senhorzinho de cabelos brancos e óculos pequenos no final da escada, de braços cruzados. Com uma postura de estátua militar, sua função é recolher as fichas de papel carimbadas depois de pagas. Cumprimentei-o com displicência, só por educação, ele nem respondeu, o que me deixou realmente aliviado, aprecio muito o silêncio entre as pessoas. O bar permanecia quase que totalmente vazio, embora apresentasse várias opções, tais como: sinuca, fliperamas, músicas e um ambiente cheio de mesas de madeira com uma televisão acoplada no teto sempre no mudo. Resolvi sentar de costas para televisão, sentar e esperar, aos poucos apareceriam os outros e poderia observar o que acontecia. A garçonete veio até minha mesa e com a voz preguiçosa perguntou:
– O que vai querer?
– Por enquanto nada. Você pode pedir pro seu chefe diminuir um pouco o volume do som? Presumo que somente eu esteja ligando pra isso, mas está me impossibilitando de pensar.
Ela riu sarcasticamente. Até seu sorriso era preguiçoso.
– Não pede nada e ainda reclama? Vou ver o que posso fazer.
– Obrigado – agradeci.
Virou as costas e foi em direção ao balcão do caixa com sua bunda preguiçosa. Gesticularam um pouco, riram e nada mudou. Perseverei um pouco na concentração, então percebo que meus pensamentos não obedecem, parecem coisas pré-programadas, como um pacote de ideias que ficam se alternando. Como leigo, sei que não tenho cura, então procurei distrair-me. Comecei mexer as orelhas, aprendi sozinho e não ensino ninguém. Lembrei-me da inspiração que tive para dominar a técnica. Sentia inveja do Ricardinho da mercearia por um único motivo, ele conseguia mexer as orelhas. Tinha um domínio sobre o corpo que eu não tinha e fazia questão de expor sua habilidade todas as vezes que nos encontrávamos, geralmente pra jogar baralho no balcão da mercearia enquanto cuidava dos negócios do pai, um velho careca bom nos negócios e ruim como um câncer nas bolas, que não hesitava em humilhar o filho mais novo na frente dos outros. Ricardinho tinha dois irmãos mais velhos e sempre foi muito inteligente, improvisava motorzinhos minúsculos em brinquedos com rodas e fazia-os passear. Certa vez o fiz levar uma surra das grandes ao convencê-lo furtar umas latas de cerveja da venda para bebermos. O velho notou e marcou o coitado como gado. Tínhamos um ano de diferença, eu quatorze e ele treze. Com tamanha inteligência, sua mágoa era perder em todos os jogos de baralho pra mim. O que ele não sabia em tudo isso é que eu nunca ligava para o baralho, queria muito mesmo mexer as orelhas como ele. Irritava-me ser um humano incapaz de dominar o próprio corpo. Lembro que exaustivamente pedia dicas, e recebia sempre a mesma resposta: “Não sei explicar”.
– Como não sabe explicar Ricardinho? Desembucha.
– Não sei explicar mesmo. Funciona naturalmente.
– Suas orelhas pesam o dobro das minhas e se movem. Explica a mágica, quero aprender.
– Vamos jogar outra partida enquanto meu pai não desce aqui.
Ele não entendia o dom que recebera. Depois de uns dois anos Ricardinho operou as orelhas para parecer normal, nunca mais tocamos no assunto depois disso. Mas involuntariamente e com um lapso de habilidade corporal, aí pelos dezesseis anos atingi o nível que busquei desde os quatorze, e jamais retrocedi.
Então lá estava eu, mexendo as orelhas dentro do bar, faria isso até cansar, depois até doer e por fim até ter vertigens. Enquanto tentava alçar voo a garçonete voltou à mesa:
– Falei com o chefe, ele não vai diminuir o som.
Olhei-a sem deixar de mexer as orelhas freneticamente. Não falei nada.
– Ouviu? Perguntou.
– Percebe o que estou fazendo?
– Ouviu o que eu disse? O volume vai permanecer igual.
Já sentia o cansaço na parte traseira da cabeça. Algo como um amortecimento.
– Eu ouvi. Não olhe nos meus olhos, olhe minhas orelhas. Está vendo?
– O que tem suas orelhas? São normais.
– Não repita tal blasfêmia! Chegue mais perto, venha conferir a anormalidade.
– Conferir o que? Preciso trabalhar. Vai pedir alguma coisa agora?
Desviei a cabeça um pouco para o lado direito e acelerei os movimentos. Um lado da cabeça doía o outro não. Ricardinho ficaria orgulhoso da minha performance, propagava seu legado. Minha orelha esquerda estava ali, toda cheia de vida para a garçonete preguiçosa. Era esse o exemplo de que ela tanto precisava, uma orelha trabalhadora, fazendo sempre mais por mim, se pudesse beijaria minhas duas orelhas naquele exato momento. Com a mão direita puxei-a pra perto e falei:
– Olhe direito, pombas! Não consegue ver o show que estamos proporcionando pra você? Não presenciará algo parecido nas suas próximas cem vidas!
– Qual é cara? Me larga – esbravejou e deu um passo atrás.
Continuei a sincronia. Fiquei eufórico. Luxúria, canibalismo, excitação.
– ESTÃO SE MEXENDO, PORRA! VOU GOZAR!
Nesse instante levei uma bofetada na orelha tão forte que por pouco não me tornei acéfalo. Fez todo meu corpo apontar para o mesmo lado. Masoquista dos infernos. Pensei em matá-la, mas logo me vi mexendo as orelhas novamente com um sorriso malicioso. Era isso, minhas orelhas gostavam de apanhar, portanto dei inicio à uma sessão de tapas áridos. A garçonete ficou boquiaberta ao ver minhas intimidades desmascaradas com tamanha brutalidade. Entre tapas e beijos, é ódio, é desejo, é sonho, é ternura. A música alta não permitia ninguém ouvir os espasmos e contrações da possessão corporal anestésica que todos moribundos sentem, flagelos do acaso. Em meio às extravagâncias sem pudores consegui dizer numa voz bem preguiçosa:
– Você pode pedir pro seu chefe aumentar o som? Isso tudo ainda me mata.
Passado envelhecido ( XXVII )
Percebi alguns ninhos de joão de barro no prédio da frente, é uma coisa difícil de perceber, é uma daquelas coisas que você só percebe quando está de cueca na sacada pensando em prostitutas nas ruas sem saída, mas está cheio deles, por toda parte, e esses foram artistas, fizeram todos os ninhos num espaço mínimo, relacionando com aqueles que você só percebe quando observa um eletricista trocando a luz de um poste, eram quitinetes de argila, se eu fosse um joão de barro, alugaria uma dessas. Lembrei do que um carinha que trabalha comigo disse sobre eles uma vez:
– Sabia que um joão de barro fecha a casa dele com a esposa dentro se descobre uma traição?
– Quem te disse isso? Perguntei. Pensando se ele fazia isso para matá-la ou só pra fazê-la sentir um pouco do que sentia.
– Eu li em algum lugar – ele desconversou.
– Pobre joão, se soubesse a força a mais que essa danada ainda tem no bico, nem perderia tempo.
– É mesmo Ramon.
Mais tarde naquele mesmo dia, comentei isso com um vulgo entendedor de pássaros, que também trabalhava lá.
– Nada disso – ele discordou – É mito. Acontece que são as abelhas que fecham o ninho e fazem uma colmeia quando eles vão embora do ninho.
– Afinal, o que esse chifrudo faz com a mulher então? Indaguei.
– Não sei.
– O que você faria?
– Bom. Acho que trancaria ela dentro com as abelhas.
Dentro de quinze dias recebi duas ligações incentivadoras, uma da minha mãe e outra de uma morena, em ambas às vezes estava paralisado, com a língua bordo e cada vez mais limitado. Ambos telefonemas estavam ligados à minha carreira literária precária. Primeiro minha mãe:
– Alo – eu disse.
– Tava fazendo o que?
– Tomando água. E você?
– Costurando umas calças do teu pai.
– Certo.
– Te liguei porque hoje um homem passou perguntando se alguém sabia de qualquer porão pequeno pra alugar. Veio de longe trabalhar numa hidrelétrica aqui perto e precisa. Falei que meu filho tinha, mas não sabia se queria alugar. Ele disse que vai voltar amanhã e pediu pra falar contigo. Pensei na tua máquina de lavar, acho uma boa pra ti.
Os dois textos escolhidos para a antologia foram escritos lá.
– Quanto tempo ele quer ficar? Perguntei cogitando a possibilidade de ser expulso daqui.
– Um mês só.
– Pode alugar. R$ 400,00 pelo mês.
– R$ 400,00? Ele não vai querer pagar tanto.
– Então mande-o morar dentro d’água. Preciso de R$ 400,00 pra máquina.
– Vou falar com ele. Te ligo quando tiver resposta.
– Ok mãe.
A outra ligação foi mais inesperada, não falava com essa morena devia fazer uns sete meses, o motivo havia sido Dóris e nossa coisa, ela era do Rio de Janeiro, Sally o nome dela. Contém um dos sorrisos mais equalizados que já vi, seus lábios movimentam-se uniformemente quando ri, abrem e fecham em sincronia profunda, como uma peça única, jamais vão para um lado ou para outro, os lábios superiores mantém a mesma velocidade dos inferiores, uma coisa de louco. Sua pele poderia ter inspirado um novo chocolate, um tanto amargo, um chocolate de limão, que anda, rebola e derrete alguma cueca. É uma fêmea impulsionada pelos dotes precisos, resumindo Sally, um tesão de mulher. Trocamos cartas certa feita, no início de 2011, ela primeiro contando uma parte de sua vida, após eu contando alguns fatos estúpidos e querendo ser engraçado, como qualquer homem excitado, pois sua carta vinha com seu perfume em todas as folhas, eu mesmo tinha pedido aquilo, na minha queimei com o cigarro algumas. Além da carta me enviou um conto que adorava e lia todo dia, “O cobrador”, do escritor brasileiro Rubem Fonseca. A carta dela foi mil vezes mais verdadeira. Segue pequenos trechos:
“Carta versão 2.0 – Parte 1
Querido Ramon,
Nunca sofri tanto para escrever uma carta. Ou talvez sempre tenha escrito péssimas missivas, mas só agora o senso crítico floresceu e me permitiu perceber a bosta que estou fazendo. A verdade é que não sou uma escritora nata, então perdoe meu caos e a letra pouco padronizada. A primeira versão, que chamo carinhosamente de 1.0, tinha quinze páginas, toda a minha vida e tédio, muito tédio. Se passar a limpo estava sendo uma tortura level medieval, imagina ter de lê-la. Por isso resolvi recomeçar. Me sinto mais confortável, literária talvez, acho que dessa vez vai.
Nascida a 25 de julho de 1987. Preta, feia, pequena e pobre. Comecei a aprender inglês com apenas três anos. O inglês me tornou muito popular na igreja”.
“Carlos e eu, ficamos nessa de vai e não vai por mais alguns anos. Ele veio a uma festa de aniversário minha um tempo depois e foi quando me beijou. Uma boca quente, macia, boa de morder. Em 2006 ele sumiu de vez. Casou eu acho. Já tentei encontra-lo, mas até o fechamento dessa carta nenhuma novidade. Às vezes me pergunto o que teria sido da minha vida se tivesse me apaixonado por ele. Era a pessoa certa. Será que muito do meu sofrimento seria evitado?”.
“Gilberto era o oposto do Carlos, que apesar de não valer nada (Descobri mais tarde), sempre foi mais respeitador. Na primeira vez que me viu não tirou os olhos dos meus peitos. Quanto a mulheres, bom, ele aparentemente não tinha preferências”.
“Considerações finais:
1 – Não demore a me responder tanto quanto eu demorei para lhe escrever.
2 – Vamos jogar xadrez por carta? Tipo os intelectuais.
Beijos Ramon!”
Pois então, eu estava tentando dar procedimento no romance quando o telefone tocou:
– Alo – atendi.
– Pode falar?
– Posso.
– Não está casado ou alguma coisa assim?
– Sally?
– Sim. Tá casado ou não animal de rabo?
– Casado? De onde tirou isso?
– Você sumiu. Não ligou mais. Não atendeu o telefone por duas vezes. Deduzi isso.
– Vocês mulheres tem cada dedução. Como está? Como vão minhas coxas preferidas?
– Mais grossas que tua cabeça. Não quero falar delas. Anda ainda com a mania de ser escritor?
– Vou ter dois textos publicados na melhor antologia de 2012. Me disseram que é a única coisa que presta no livro. Consegue acreditar nisso?
– De forma alguma. Até hoje não li nada muito bom vindo de ti.
– Sally, Sally, um dia escreverei um romance incrível, e te farei um personagem de nome tão feio que as pessoas imaginarão você comendo fezes e pedindo carona de cueca.
– Pra isso é fácil, me chame de Ramon. E se alguém ler, o que acho difícil, nunca saberá quem é o personagem.
– Como estão minhas virilhas prediletas?
– Cala boca! Estou ligando porque vi um concurso que pode te interessar. O vencedor recebe R$ 5000,00, e o segundo colocado R$ 3000,00.
– Concurso de que?
– De contos. Três contos cada candidato. Acha que consegue?
– Ganhar ou escrever?
– Você pode participar. Vou te enviar um e-mail com as regras e o endereço pra onde remeter os contos.
– O que anda fazendo por aí?
– Estudando Física.
– Dureza.
– Era isso. Te mando o e-mail.
Passado envelhecido ( XXVI )
Era só esperar janeiro chegar para Ramon não morrer mais sem suas palavras em um livro. Os textos escolhidos eram curtinhos, antigos e miseráveis, mas achei engraçado haver escritores piores que eu recusados. Se é que eles existiam, talvez meus textos fossem apenas pra completar a antologia, algo: “Tem cinco textos desse Ramon aqui, mas difícil achar um que preste”, “Não temos outra coisa pra colocar? Talvez uma receita de bolo”, “Poderíamos colocar uma receita de bolo e o colocar como autor. O que você acha?”, “Não sei, seria demais pra ele”, “Verdade. Então escolhe dois dele pra esse livro não virar best-seller”. Agora seria um autor publicado, pagando pra isso, mas publicado, o que me fazia acreditar que as coisas estavam acontecendo na velocidade certa.
Peguei um copo de café amargo e voltei lá fora fumar um cigarro. Comecei calcular quanto tempo faltava para o dia doze de janeiro. Não tinha pra quem vender livros, acabaria tendo que comprar todos. Faltavam sessenta e nove dias. R$ 400,00 reais eu precisava encontrar, em sessenta e nove dias. A noite pediria emprestado para outra pessoa que talvez me deixasse esquecer uns meses da dívida também, caso tivesse dinheiro, minha mãe. Ligaria um pouco bêbado, assim facilitaria pedir. O dinheiro não passa de um cabaço, se você tem, quer gastar, se não tem, fodeu. Embora odiasse essas situações de não conseguir fazer sobrar qualquer quantia do salário e ter que ficar dependendo da bondade dos outros, estava meio que decidido a lançar esses dois textos ou contos na antologia. Seria a maior conquista em termos literários que estaria conseguindo. Talvez alguém lesse e botasse fé. É sempre assim, quando você acha que fez uma grande merda, alguém aparece dizendo que nunca viu nada melhor, e eu achava aqueles dois textos uma grande merda.
Via meu futuro somente após o dia doze de janeiro, o dia em que publicariam dois textos meus em um livro, pela primeira vez minhas palavras estariam armazenadas em folhas, e isso duraria por gerações, uma filha, passando para sua filha, depois para seu filho, e sempre mais além “Esse é seu presente de aniversário meu filho, esse livro foi lançado no dia doze de janeiro de 2012, minha vó comprou, passou pra minha mãe e agora estou lhe dando de presente. Ele é muito bom, quase todo ele é bom, o pior autor é esse Ramon, reza a lenda que pagou para ser publicado, e o pior, pegou dinheiro da própria mãe pra isso e nunca devolveu, apenas evite essas duas páginas, se preferir, arranque fora para não sofrer com essa maldição que assombra nossa família por três gerações, minha mãe escondeu-me isso quando me presenteou. Por que você acha que nunca mais falei com sua vó? Eu te amo meu filho, não quero que sofra. Ou melhor, me dá aqui que eu mesma arranco e queimo”.
Bebi mais um tempo e liguei.
– Alo – ela atendeu.
– Oi mãe. Tudo bem?
– Bem e você?
– Bem. Comi uma sopa hoje.
– Aé?! Quem fez?
– Eu fiz.
– Huum.
– Preciso de R$ 400,00 emprestado.
– Pra quê?
– Quero comprar uma máquina de lavar. Vi o preço de uma baratinha, só preciso de R$ 400,00 pra completar. Te pago R$ 50,00 por mês.
– Não tenho meu filho. Vou receber o décimo terceiro em dezembro, mas preciso de um cinto protetor pra coluna. Não aguento mais de dor. Os anos esfregando o chão e a parede me arrebentaram as costas.
– Que dureza mãe.
– Pois é. Mas faz um crediário.
– É. Acho que vou fazer isso.
– Tem bebido bastante água? Meu médico disse que é bom beber pelo menos dois litros de água por dia.
– Dois litros de água por dia? Assim não há coluna que aguente.
– Tu é burro né piá. Bebe água!
– Sim mãe.
– Tá bebendo álcool e fumando ainda?
– Parei.
– Tá fazendo aquele curso ainda? Estuda!
– Sim. Alguns dizem que tenho o dom do marketing.
– Me dizia a mesma coisa aqui, e abandonou a universidade pra continuar sendo motoboy. Não tá estudando bosta nenhuma né. Tá só bebendo e fumando igual teu pai. Lembra o que aconteceu com ele né?! Meu Deus, tu é pior que ele.
– Sou escritor profissional agora. Vão lançar um livro meu em janeiro. Tem gente dizendo por aí que sou um gênio.
– Parou de estudar de novo! Não consigo acreditar! Gênio? Pra mim tu não passa de uma decepção.
– Pra mim também.
– Estuda piá!
– Tá mãe, tchau.
– Tchau.
Ainda tinha sessenta e nove dias.
Deusas
poucas mulheres
já me deixaram
com o pé
atrás, na dúvida
quanto à existência
desse tal
Deus
e suas obras
divinas..
você, Raissa
sem dúvida alguma
é uma delas.
Guizo por Marcos Antônio
Marcos Antônio, nosso amigo do Palavra’s Concórdia, mais uma vez dando as caras por aqui, desta vez declamando o poema Guizo, de Ramon Carlos.
Aproveite e conheça, através do facebook, youtube ou instagram, o belíssimo trabalho que o Marcos vem realizando.
heroína
em sangue venoso
ou arterial, um orgasmo
abdominal.
Psicopata sem rancor
Às vezes, o estranho
Traz medo, ou planos
Coisas estranhas me deixam bem
Tão perto, distinto
Às vezes escrevo para os mortos
E os vivos leem
“Ninguém precisa disso”
Acordaram, ambos de ressaca
Era dia de feira
O despertador enjaulava
Em som, os órgãos secos
Esquecemos da feira!
Pelo amor de Deus desliga isso
Rosnar esgotado
Os tigres no asfalto
E uma armadilha atrás do poste
Vai tomar um banho, hoje tem feira
Seguindo ordens sem conseguir raciocinar
Praticamente um cão no trampolim
A água em um piso de histórias
A sombra em um traje de algodão
Feira num sábado de manhã é para adventistas
Pelos sequestrados pelo sabonete
Limpa, finge ser romântico praticante
Seca bem os pés
A água da privada sugerindo um mergulho
Como diria Israel:
“Não adianta, a merda sempre procura o cu”
Na feira, na feira
Multidão, esgoto, caldo de cana
Graus, preços, cores
Paciência em filtro de papel
Tigres no asfalto
Carregando sacolas verdes
Na faixa para atravessar
O ônibus corta a avenida
Com rostos cheios de vagas
Refeições bem temperadas
Apagarão os erros de amanhã
ipse dixit
ele me disse que era Deus
e que fazia poesia
com qualquer
heresia..
“a última fiz na panela de pressão
por isso tamanha maciez
na mordida”
– hum..
“mas a melhor
foi aquela que fiz no liquidificador
ficou perfeita. tudo tão maravilhosamente
combinado, que não se podia identificar os ingredientes
não se podia
compreender o gosto
apenas degustar o sabor final
era o que restava
no fim”
– hum..
“e teve aquela poesia ébria
que fiz no estilo cowboy: pura e sem
gelo. me abracei no Jack e fui
ladeira abaixo à noite toda
sem freios ou
anseios. pra no fim
quase ninguém
entender..
hoje eu sei
sei que não é poesia para todos
hoje eu entendo, e se bobear
até ofereço
gelo”
– hum..
“e os teus?”
– os meus?
“poemas?”
– não sei se já escrevi
algum, faço tudo à ferro e fogo
rudimentar demais para agradar
e no fim sai tudo
muito
quente?
“hum…”
– exatamente!
O trem fantasma
A inércia dos alicerces
Cubos de gelo no bico do figo
Não há mais garotas de saia nas arquibancadas
Onde ele e seus amigos escondiam-se
Para venerar o vermelho
Brisa dos vulcões, sulco das montanhas
Sondar o amarelo
Canto das virgens, sinos de cera
Lapidar o azul
Aurora de Baco
Suprir o verde
Balas de menta
E frases velhas, como essa:
“Tentei ver a calcinha dela mas me dei mal, ela tava sem”
Esperando o ônibus sozinho
Na rodoviária que fica ao lado das recordações
Ele jurou ter visto Ana Cláudia
Quase gritou, ou correu ao encontro
Mas antes conferiu o horário e o número da poltrona
Na passagem
O frio não lhe pertencia mais
